terça-feira, 17 de março de 2015

Um arcaísmo de smartphone nas mãos

  manifestações impeachment dilma















     Se  há  épocas  débeis  mentais,  como  aventou  um profundo pensador da civilização brasileira, a nossa é seguramente uma delas. Há já algum tempo que os maiores imbecis com acesso aos grandes meios de comunicação vêm utilizando-os para fazer declarações expressando ideias que os imbecis sempre tiveram, mas que tinham vergonha de exibir em público. Fazem agora parte do nosso dia a dia os mais grosseiros políticos, pastores, jornalistas, apresentadores de televisão e até acadêmicos fazendo alarde de opiniões racistas, sexistas, homofóbicas, classistas, fascistas. Nos últimos anos, essas vulgaridades vêm se tornando mais frequentes e mais difundidas, em virtude do engajamento dos grandes meios de comunicação nas políticas mais retrógradas, sustentadas por ideologias cada vez mais próximas da extrema direita. Em jogo estão o privilégio de uma oligarquia, a separação entre cidadãos de primeira classe e os outros, a subordinação dos pobres à classe senhorial, a desqualificação do país em relação às "potências" do norte. Nesse contexto, não surpreende a explosão de violência e insegurança na sociedade brasileira.
     No  último  fim  de  semana,  por  exemplo, a classe média branquinha e estulta foi às ruas das grandes cidades do país com a camisa amarela da Nike, exigindo o impeachment de nossa presidente após seu candidato perder as eleições no fim do ano passado. Esses executivos da Vila Olímpia, esses inocentes do Leblon, esses funcionários do setor bancário de Brasília, esses moradores das Magabeiras de BH se organizaram por meio de seus smartphones e suas redes sociais, com sua linguagem plena de abreviações e termos chulos, para bater panelas nas avenidas Paulista, Atlântica e nas Savassis da vida, gritando palavrões e até pedindo um novo golpe militar e uma nova ditadura. Pergunto-me se esses boçais têm alguma noção das infâmias cometidas no tempo dos generais todo-poderosos, das feridas daquele tempo que ainda estão abertas e sangrando, da herança de autoritarismo, falta de diálogo e desrespeito à lei que nos foi legada pelos ditadores fardados. Tudo indica que não, pois querem agora desenterrar o golpismo. Em seus protestos, não se veem essas madames de yorkshire terrier nos braços, esses profissionais liberais que passam férias em Miami, esses comerciantes que sonegam impostos, esses médicos que não trabalham nos postos de saúde pedirem, por exemplo, reformas do sistema político que impeçam a promiscuidade partidária, leis que tornem a corrupção um crime hediondo e inafiançável, taxação das grandes fortunas, reforma agrária, combate à extrema desigualdade social e elevação do nível da educação pública. Querem apenas que seus privilégios sigam intocados.
     Se  nos  aparecesse  de  repente  um José do Patrocínio ou um Martin  Luther  King Jr. que subisse num caixote na avenida Paulista, Atlântica ou numa Savassi qualquer e começasse um discurso com as palavras "Eu tenho um sonho...", não seria ouvido por ninguém. Ou seria silenciado por algum leitor de Veja a gritar que o lugar dos negros é nas favelas, nas oficinas mecânicas, nos quartinhos de empregada ou nas prisões.
     Esse  é  o  Brasil  arcaico  do  qual  precisamos  nos livrar. Que você se mantenha para sempre não apenas longe dele mas contra ele.

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