sexta-feira, 13 de março de 2015

A deformação do menino

     Não  sei  onde  li  certa  vez  que  em  algum  lugar há uma seita que considera que o homem é a degeneração do menino. Para seus fiéis, o menino seria um ser perfeito que, no decorrer dos anos e no contato com a sujeira do mundo, deforma-se lentamente no homem. Essa ideia, que está em consonância com o pensamento de um filósofo como Jean-Jacques Rousseau, me parece muito interessante e real. Quando considero sua pureza, sua falta de malícia, a verdade que emana de tudo o que você diz, o brilho do olhar de quem ainda está vendo tudo pela primeira vez e comparo essas coisas com minha melancolia, minha dureza, minha desconfiança dos outros, os arabescos de meu discurso, dou razão àqueles místicos e ao pensador suíço. E lhes concedo a mais plena e irrestrita razão quando vejo o que os homens feitos andam cometendo em nossa vida pública, bem como na relação com suas famílias, com seus amigos, com seus colegas de trabalho e até com seus inimigos. Talvez apenas os santos e os poetas sejam os únicos homens que escapam dessa degeneração justamente porque levam pela vida inteira a clarividência do menino, o olhar desembaçado de preconceitos e teorias do menino, a voz sempre pronta a fazer as perguntas e afirmações essenciais do menino.

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