segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Duas mãos em dois tempos

     Aqui mesmo já coloquei uma foto de nossas mãos quando você era um bebê. No sábado passado, quando nos encontramos, me veio a ideia de tirar outra foto como aquela. Sua mão triplicou de tamanho e já caminha para ser talvez maior que a minha, com a qual está muito parecida. Aliás, meus amigos de futebol, que não o viam havia cerca de três anos, comentaram que você está muito parecido comigo. No plano psicológico, no entanto, temos diferenças consideráveis, aparentemente a maioria delas em seu favor. Sou mais impulsivo, mais conflituoso e mais impaciente. Você é mais sereno, mais diplomático e sabe esperar. Com tais qualidades, pode ser que você seja mais mineiro que eu. Mas somos ambos emocionais, curiosos, ruminantes.
     É interessante observar a passagem do tempo e as mudanças que ela provoca. Como tenho passado longas temporadas sem vê-lo, sempre me surpreendo com a qualidade e a quantidade de mudanças por que você passa num intervalo de um ano. Talvez, a seu ver, ocorra o mesmo comigo. Mas em meio à inconstância do mundo, algo permanece: o amor que nos une e que se manifesta de forma tão sofrida na distância e de forma tão espontânea quando nos vemos. Só espero que nosso destino nos reserve um tempo em que ainda possamos estar juntos, recompensando-nos destes anos todos apartados em nome da ignomínia.

domingo, 25 de agosto de 2013

Movimento

     Passamos o dia de ontem juntos, com o objetivo de jogarmos futebol, o que não fazíamos havia muito tempo. Mas fizemos muito mais. Revivemos nossas lutas sobre a cama, brincamos de esconde-esconde, fantasiamo-nos com roupas velhas, almoçamos juntos num restaurante de que você gosta, brincamos de joguinhos eletrônicos, conversamos sobre variados assuntos, tiramos muitas fotografias. Quanto ao futebol especificamente, me surpreendi com sua qualidade como jogador. Está chutando muito bem, controlando bem a bola e já sabe cabecear. Sofri como goleiro diante de seus chutes de curta e média distância. Antes de você nascer, imaginei muitas vezes esses momentos. É uma lástima que os tenhamos vivido tão raramente. Mas termos tido um intenso momento de felicidade ontem nos resgata provisoriamente da infâmia que nos tem sido imposta. Mas tudo é movimento. Esse estado de coisas não permanecerá assim para sempre.
     Voltarei para Londres de coração mais leve e disposição mais forte para enfrentar meu exílio por lá.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A literatura entre nós dois

     Em nossa conversa, há dois dias, você me contou das coisas que tem lido. Entre outras, disse ter sido marcado pela "História triste de tuim", uma crônica de Rubem Braga que tematiza o amor, a dedicação, a perda e a dor de um menino em sua relação com um passarinho. Fiquei feliz ao ver o brilho em seus olhos e o encanto com que falou desse pequeno texto. Pude ver que você já é um leitor atento e sensível. Será para mim uma grande alegria se, durante sua travessia pela vida, a literatura fizer parte importante do seu dia a dia. Ela nos manterá próximos, ainda que continuemos apartados um do outro, como agora.
     Enquanto me sento aqui para escrever, me passa pela cabeça um leitura alegórica da crônica de Rubem Braga, que, em tal leitura, nos diz tanto sobre nossa própria relação de pai e filho. Mas possivelmente estou fazendo uma superinterpretação da crônica.
     Sempre que o encontro, lhe dou livros e conversamos sobre eles. Desta vez não só lhe dei alguns livrinhos como também ganhei um de presente, com sua dedicatória. Trata-se de uma obra de culinária, com uma coletânea de receitas com ovos. Adorei-a, pois nunca havia ganhado nada parecido. Farei algumas daquelas iguarias em minha casa e guardarei esse livro para sempre.
     Eu, que tenho sido um profissional da literatura, atividade que é parte essencial da minha vida, só posso sentir orgulho ao ver a continuidade dela em você.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Um sentido na vida

     Acabo de retornar do dia que passei com você. Me sinto um tanto exaurido emocionalmente, com o coração carregado de um misto de felicidade, tristeza, esperança e revolta. Ao encontrá-lo e abraçá-lo após tanto tempo distantes um do outro, aconteceu outra vez de chorarmos. 
     Foi bom conversar longamente com você, saber do que tem feito e como está sua vida. Me surpreendi quando me disse que tem jogado como zagueiro no time da escola e que salvou, de cabeça, um gol decisivo do adversário em seu último jogo. Sempre fui centroavante e goleador. Nunca imaginei meu filho zagueiro ou goleiro. De todo modo, meu pai também foi zagueiro. Talvez seja eu quem possui, na família, o gene recessivo.
     Viajarei no domingo, mas, se possível, gostaria de encontrá-lo ainda uma vez no sábado, para que possamos jogar juntos na USP. Quero ver como andam as suas habilidades com a bola ou mesmo suas habilidades para tomar a bola do adversário.
     Desta vez lhe passei meu e-mail, meu nome no Skype, o endereço deste blog, meu número de telefone em Londres e meu endereço lá. Espero que daqui por diante nada se interponha entre nós, impedindo o mínimo que podemos ter: nossa comunicação.
     Estou em São Paulo nesta semana em virtude de um compromisso na USP, além da necessidade de reencontrá-lo. No entanto, de agora em diante, sempre que vier à cidade será fundamentalmente para revê-lo. Não me importo de ficar em hotel nem de enfrentar os tormentos do trânsito paulistano para estar a seu lado, ainda que por pouco tempo, ainda que tenha de colher, por agora, essas migalhas da vida que estamos perdendo. Tais inconvenientes não são nada diante de meu amor por você.
     Não tenho fé nem acredito que haja alguma justiça ou alguma lógica no universo. Mas talvez muito precariamente possamos construir um sentido para nossas vidas. Ser seu pai, ter esperança de um dia estarmos juntos, acompanhar seu desenvolvimento e poder contribuir para que você seja uma pessoa autêntica, consciente e feliz é uma parte importante do sentido que venho buscando construir para a minha vida.

sábado, 17 de agosto de 2013

Vagando pelo Rio de Janeiro

     Após viajar por 12 horas, cheguei ao Rio de Janeiro, onde vim colher material para uma pesquisa que iniciarei neste segundo semestre. Hoje caminhei pelas praias de Ipanema e Copacabana, tão justamente celebradas em nosso cancioneiro popular. Neste dia nublado, houve este pôr do sol neste recanto do Oceano Atlântico. Como havia muito tempo que não vinha do Rio, também revisitei o Corcovado e o Pão de Açúcar, de onde se vê toda a exuberante beleza natural da cidade.
     Em certo momento, na praia de Ipanema, vi alguns meninos mais ou menos de sua idade, todos com camisas de times variados, num acirrado jogo de futebol, com três de cada lado. Naturalmente minha imaginação voou e pensei em você jogando com eles e mostrando sua raça e sua técnica. Há muito tempo não jogamos juntos... Pensei também num jogo muito especial de que participamos com alguns meninos do condomínio onde eu morava, em São Paulo, quando você tinha pouco menos de cinco anos. Tal jogo foi especial porque nele você fez o primeiro gol de sua vida. Eu driblei três adversários fiquei cara a cara com o goleiro e lhe passei a bola de lado, para que concluísse o lance. Durante um ano inteiro tive de lhe ouvir falar nesse gol. E com justiça!
     Amanhã partirei para São Paulo, onde espero reencontrá-lo em algum dia no meio da semana. Estou ansioso por esse momento e tenho algumas surpresas a lhe fazer.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Uma expectativa

     Acabo de fazer as malas para viajar para o Brasil na próxima sexta-feira. Sei que vou estar apreensivo no decorrer da semana, pensando na minha chegada, na oportunidade de reencontrá-lo, na minha família e em meus amigos. Como sempre, vou levar-lhe alguns livros, juntamente com um brinquedo. Quero conversar muito com você, saber de sua vida e do que tem feito. E também quero lhe contar sobre a minha vida. Neste mundo em que há tantas invenções brilhantes para as pessoas se comunicarem, tenho de passar longos meses sem conversar com meu próprio filho, a despeito do computador e do telefone celular que já lhe dei com essa finalidade. Mas tudo bem. O que importa é que já se aproxima o momento de estarmos juntos novamente por algum tempo, ainda que breve. Se possível, quero jogar futebol com você e ver como andam as suas habilidades. Ainda nesta semana, telefonarei para sua babá e tentarei estabelecer ao menos um dia para estarmos juntos.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Nossa popularidade no exterior

    Neste verão, que está bastante quente em Londres, tenho visto, pelas ruas e pelos parques, muitos britânicos com camisa da Seleção Brasileira e chinelos Havaianas. Aliás, sempre me surpreendo com a popularidade do Brasil por aqui. Nossas coisas são, em geral, consideradas cool e somos vistos como um povo que preserva a alegria de viver. Eventos relacionados ao Brasil em Londres costumam ser bastante concorridos, e muita gente nos vê como um país que já está muito próximo se tornar uma potência econômica, política e cultural. Mesmo os mais bem informados, que sabem que no Brasil imperam também a corrupção, a violência e a burrice de nossas elites, costumam fazer um balanço positivo do país.
     De minha parte, costumo alimentar a simpatia pelo Brasil em minhas aulas, em minhas palestras e em minhas esporádicas conversas com jornalistas. Sempre demonstro um amor autêntico a nosso país e orgulho do que somos, mas naturalmente trato também dos aspectos negativos, tentando exercer uma visão crítica. Mas no fundo parece que sempre ansiamos pelo que não temos, pois há muitas coisas que admiro na cultura britânica e gostaria que possuíssemos. Mas esta é outra discussão.
     Espero que um dia seja possível tê-lo aqui comigo, para vivenciarmos juntos todas essas coisas e conversarmos sobre elas. É um assunto que rende sempre uma interessante discussão.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Uma cartão na bagagem

     Na semana que vem, partirei para o Brasil, ficando algumas semanas entre o Rio de Janeiro, São Paulo e Divinópolis. Começando a olhar as coisas que levarei na bagagem, me deparei com este cartão que comprei para você em Paris, no dia de seu aniversário. Infelizmente não tive como enviá-lo, pois até mesmo o seu novo endereço me foi negado, após sua mudança. De todo modo, espero entregá-lo quando nos encontrarmos em São Paulo, provavelmente para passarmos apenas uma tarde juntos.
     Atrás do cartão, além das congratulações pelo dia do seu nascimento, escrevi algo como estímulo para que perca muito tempo com as coisas que ama e que são importantes para você, tal como fez o Pequeno Príncipe com sua rosa. Assim procederam - na contramão do pragmatismo capitalista - todas as pessoas que fizeram algo significativo neste mundo.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Água que passarinho não bebe

     Hoje me lembrei de um momento, por volta dos seus quatro ou cinco anos, quando queria saber as razões de tudo o que há neste mundo e me questionava sobre tudo o que via pelo caminho. De certa feita, estávamos passeando sem rumo por um bairro pouco povoado de Divinópolis - você sentado no meu ombro -, quando nos deparamos com um grande despacho. Havia, entre outras coisas, muitas velas vermelhas queimadas e algumas garrafas de cachaça. Fascinado com aquele festival de cores e artigos estranhos, você apontou para as garrafas e me perguntou: "O que é aquilo, papai?" E eu: "Aquilo é água que passarinho não bebe". E você, ardendo de curiosidade: "Não bebe por quê?!". 
     E lá fui eu lhe dar mais uma explicação mirabolante.