quarta-feira, 30 de julho de 2014

Um peso no meu peito

     Nestes dias de sol no verão do hemisfério norte, caminho por Londres, vejo os amplos gramados nos parques e penso em você. Sei que também está tendo as suas férias de julho no inverno paulistano, mas não sei o que está fazendo, como tem passado os seus dias, se tem lido bons livros e ampliado seus horizontes. Se estivesse comigo, teríamos muito assunto para conversar, muitas histórias para viver e para contar, muitas brincadeiras para fazer. Sua falta me pesa neste momento.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Nosso derramamento barroco


     Há algumas semanas, nestas férias de julho, andei pelas cidades históricas de Tiradentes, São João del Rei, Ouro Preto e Mariana, todas em Minas Gerais. Em minha adolescência e nos tempos do curso de graduação, eu visitava muito esses lugares, onde no século XVIII aconteceu o que poderíamos chamar de o nosso Renascimento. Naquela época eu ia muito a essas cidadezinhas inspiradoras para estudar a arte barroca e os acontecimentos históricos que ali se deram. Pude agora, depois de cerca de 20 anos, rever nos altares, nas paredes, nos museus de arte sacra o quanto somos um povo dramático, que vive intensamente a sua dor. Os Cristos crucificados do nosso barroco possuem sempre feridas enormes e abertas, com sangue escorrendo aos borbotões. A Virgem Maria e todas as outras mães são exibidas sempre em sacrifício absoluto por seus filhos. Os santos prediletos são os que sofreram martírios. E São Francisco, que num de seus milagres adquiriu os estigmas de Cristo, é cultuado obsessivamente. 
     Os reflexos disso são muito claros em nossa psicologia. Toda vez que telefono para minha mãe, lá vem sempre um rosário de seus infortúnios, que ela tem o prazer de me contar. Recentemente, num jogo de futebol, um colega que ficou algum tempo sem receber um passe sentiu-se como se os outros jogadores estivessem fazendo um complô contra ele. E a forma como reagimos à derrota massacrante da Seleção Brasileira na semifinal da última Copa do Mundo, quando nos sentimos uns párias, uns vira-latas, diz tudo. Isso para não falar nas cenas de melodrama a que sempre assistimos nas despedidas em nossos aeroportos.
     Para Nietzsche, essa é uma reação de covardes que pretendem dominar psicologicamente os fortes através da exibição de sua fraqueza, visando angariar piedade por parte destes, que deveriam, ao contrário, dar vazão a sua vontade de potência. Mas o próprio filósofo alemão, que era um homem de profunda sensibilidade estética, ficaria extasiado diante de uma obra do Aleijadinho. Mas isso já é outro assunto...

terça-feira, 22 de julho de 2014

Nossa linguagem afetiva


     Acabo de chegar a Londres, proveniente do Brasil, após uma longa e cansativa jornada noite adentro, passando ainda por Madrid. Na semana passada, ainda como rescaldo da Copa do Mundo, eu estava no Rio de Janeiro, tendo finalizado as férias em Paraty. Nesta última cidade passei por um lugar com esta placa: "Casa da Dindinha". Me lembro de que assim eu chamava minha avó materna, com esse termo afetuoso e cheio de ressonância da linguagem dos escravos negros. Algo tão Brasil profundo. Sempre penso nessas palavras e nessas coisas quando estou fora do país. Você mesmo me chama de "papai", o que automaticamente torna a minha paternidade muito mais carinhosa e muito mais gentil.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Papo de bola

     Em tempo de Copa do Mundo no Brasil, passei o último fim de semana em Belo Horizonte, cidade onde você nasceu. Os dois anos em que vivi ali não foram muito felizes, mas ao menos estivemos muito próximos ao longo de seus dois primeiros anos de vida e partilhamos juntos muitas histórias e muitas brincadeiras. Escrevo, porém, porque uma coisa que presenciei na capital de Minas me fez lembrar de algo vivido com você em São Paulo há cerca de dois anos. 
     No domingo passado, peguei um ônibus para a cidade de Brumadinho, onde fica o Inhotim, misto de museu de arte contemporânea e jardim botânico. Perto de mim, alguns rapazes, entre eles um alemão, um indonésio, um singapurense e um com aparência de árabe conversaram todo o tempo em inglês, em alto volume, sobre futebol, as melhores seleções, os melhores jogadores, os acontecimentos marcantes da Copa do Mundo. Como sou um tímido, não entrei no debate. Durante o processo, me veio à mente um dia de sábado em São Paulo, em que o busquei para passar um fim de semana comigo. No meio de uma viagem de ônibus, começamos a conversar sobre quem era o melhor jogador do mundo naquele momento. Você dizia que era Ronaldinho, jogador que estava realmente bem no Atlético, e eu defendia que ele já fora o melhor, mas que naquele momento Messi era melhor. Um rapaz que nos ouvia entrou na conversa, defendendo que o argentino era o melhor dos dois, mas, apesar de estar em minoria e contra a posição de seu pai, você reafirmou que Ronaldinho era melhor. Até que outro rapaz nas proximidades posicionou-se a seu lado. E o resto da viagem foi essa mesa redonda improvisada. Gostei de ver sua autenticidade e sua opinião própria. Que possa manter esse espírito para o resto da vida.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Humilhados em nossa própria casa

    Nossos olhos acabaram de testemunhar algo inacreditável: na semifinal da Copa do Mundo no Brasil, perdemos vergonhosamente para a Alemanha, tomando uma goleada de 7x1. Isso é uma humilhação para todos nós que acreditamos ser os melhores do mundo quando o assunto é futebol - ainda mais numa Copa em nosso país. Contudo, a derrota faz parte da vida e sempre aprendemos muito com os grande fracassos. Tendemos sempre a valorizar em excesso nossas grandes individualidades, negligenciando a organização e a estratégia. E o que ocorreu nesta tarde foi exatamente um espetáculo de estratégia e organização em que fomos os bobos da corte. A necessidade de valorizarmos mais esses aspectos - seja no futebol, seja nos processos de nossa sociedade - é a grande lição que nos fica do vexame mundial por que passamos hoje. 
     Na tristeza que estamos sentindo, e que compartilhamos com quase toda a nação, me lembro de uma frase de teor bíblico numa crônica de Carlos Drummond de Andrade: "Bem-aventurados os que não entendem nem aspiram a entender de futebol, porque deles é o reino da tranquilidade".