sexta-feira, 25 de julho de 2014

Nosso derramamento barroco


     Há algumas semanas, nestas férias de julho, andei pelas cidades históricas de Tiradentes, São João del Rei, Ouro Preto e Mariana, todas em Minas Gerais. Em minha adolescência e nos tempos do curso de graduação, eu visitava muito esses lugares, onde no século XVIII aconteceu o que poderíamos chamar de o nosso Renascimento. Naquela época eu ia muito a essas cidadezinhas inspiradoras para estudar a arte barroca e os acontecimentos históricos que ali se deram. Pude agora, depois de cerca de 20 anos, rever nos altares, nas paredes, nos museus de arte sacra o quanto somos um povo dramático, que vive intensamente a sua dor. Os Cristos crucificados do nosso barroco possuem sempre feridas enormes e abertas, com sangue escorrendo aos borbotões. A Virgem Maria e todas as outras mães são exibidas sempre em sacrifício absoluto por seus filhos. Os santos prediletos são os que sofreram martírios. E São Francisco, que num de seus milagres adquiriu os estigmas de Cristo, é cultuado obsessivamente. 
     Os reflexos disso são muito claros em nossa psicologia. Toda vez que telefono para minha mãe, lá vem sempre um rosário de seus infortúnios, que ela tem o prazer de me contar. Recentemente, num jogo de futebol, um colega que ficou algum tempo sem receber um passe sentiu-se como se os outros jogadores estivessem fazendo um complô contra ele. E a forma como reagimos à derrota massacrante da Seleção Brasileira na semifinal da última Copa do Mundo, quando nos sentimos uns párias, uns vira-latas, diz tudo. Isso para não falar nas cenas de melodrama a que sempre assistimos nas despedidas em nossos aeroportos.
     Para Nietzsche, essa é uma reação de covardes que pretendem dominar psicologicamente os fortes através da exibição de sua fraqueza, visando angariar piedade por parte destes, que deveriam, ao contrário, dar vazão a sua vontade de potência. Mas o próprio filósofo alemão, que era um homem de profunda sensibilidade estética, ficaria extasiado diante de uma obra do Aleijadinho. Mas isso já é outro assunto...

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