Lembro-me de que em seu perfil, que escrevi você tinha três anos, mencionei que sua grande esquisitice era olhar para dentro de bueiros. Tenho até uma fotografia em que nós dois estamos recurvados (eu tentando entender aquela interessantíssima curiosidade do meu menino). Só pode ser uma tendência para a profundidade e para desvendar as coisas submersas. Em suma, uma inata vocação filosófica ou talvez um natural talento para a psicologia.
Como o tenho encontrado apenas uma ou duas vezes por ano, ao longo destes últimos cinco anos em que estou vivendo no exterior, não sei se ainda mantém a mesma curiosidade para saber sobre o que se passa nos esgotos da cidade. Sabe-se apenas que lá se passam coisas melhores e menos malcheirosas que as porcarias do esgoto da política e da Justiça brasileira que têm vindo à tona neste momento.
Uma vez visitei os esgotos de Paris, uma atração relativamente popular da cidade. Quando tivermos a oportunidade de irmos juntos à capital francesa, quero levá-lo para esta aventura pelos subterrâneos de uma metrópole contemporânea. E vamos, então, ouvir histórias muito interessantes do dia a dia da cidade, enquanto perambulamos pelas galerias no subsolo, que são uma fantástica obra de engenharia e onde até crocodilo já foi encontrado, em meados dos anos 1980. Lembro-me agora da emocionante cena ao final de Os Miseráveis, de Victor Hugo, em que Jean Valjean carrega o ferido Marius nos ombros, atravessando os esgotos de Paris a fim de salvá-lo para a filha Cosette.
Sei que no Japão as prefeituras das cidades colocam sempre tampas de bueiros bastantes coloridas e artisticamente trabalhadas. E em São Paulo mesmo, onde há tantos grafiteiros, recentemente eles andaram renovando alguns bueiros da Barra Funda com seus desenhos. Não sei se os viu. Em caso positivo, seu interesse pelos bueiros deve ter se tornado ainda maior.