domingo, 30 de outubro de 2016

Bueiros


     Lembro-me  de  que  em  seu  perfil,  que  escrevi  você tinha três anos, mencionei que sua grande esquisitice era olhar para dentro de bueiros. Tenho até uma fotografia em que nós dois estamos recurvados (eu tentando entender aquela interessantíssima curiosidade do meu menino). Só pode ser uma tendência para a profundidade e para desvendar as coisas submersas. Em suma, uma inata vocação filosófica ou talvez um natural talento para a psicologia.
     Como  o  tenho  encontrado  apenas  uma  ou  duas vezes por ano, ao longo destes últimos cinco anos em que estou vivendo no exterior, não sei se ainda mantém a mesma curiosidade para saber sobre o que se passa nos esgotos da cidade. Sabe-se apenas que lá se passam coisas melhores e menos malcheirosas que as porcarias do esgoto da política e da Justiça brasileira que têm vindo à tona neste momento.
     Uma  vez  visitei  os  esgotos  de  Paris,  uma  atração relativamente popular da cidade. Quando tivermos a oportunidade de irmos juntos à capital francesa, quero levá-lo para esta aventura pelos subterrâneos de uma metrópole contemporânea. E vamos, então, ouvir histórias muito interessantes do dia a dia da cidade, enquanto perambulamos pelas galerias no subsolo, que são uma fantástica obra de engenharia e onde até crocodilo já foi encontrado, em meados dos anos 1980. Lembro-me agora da emocionante cena ao final de Os Miseráveis, de Victor Hugo, em que Jean Valjean carrega o ferido Marius nos ombros, atravessando os esgotos de Paris a fim de salvá-lo para a filha Cosette.
     Sei  que  no  Japão  as  prefeituras  das  cidades  colocam sempre tampas de bueiros bastantes coloridas e artisticamente trabalhadas. E em São Paulo mesmo, onde há tantos grafiteiros, recentemente eles andaram renovando alguns bueiros da Barra Funda com seus desenhos. Não sei se os viu. Em caso positivo, seu interesse pelos bueiros deve ter se tornado ainda maior.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Saudades de São Paulo

     Outro  dia  eu  escrevia  aqui  sobre  minhas  saudades de Minas. Hoje, no entanto, eu estava correndo no fim de tarde e ouvia ao telefone uma seleção de sambas paulistanos de Adoniran Barbosa, o que resultou em fundas saudades de São Paulo. O grande compositor tratava sempre da vida dos pobres da cidade de forma tragicômica. No trânsito pela Pauliceia, que eu já cruzei de cima a baixo, seja caminhando pelas ruas e parques, seja em meio ao descalabro do deslocamento em ônibus ou metrô, eu sempre cruzava com muitos personagens das canções de Adoniran. Eles inclusive falavam com o forte sotaque italianado e a muito expressiva linguagem "errada" do compositor popular.
     Meus  amigos  paulistanos  acham  que  estou  brincando quando lhes digo que São Paulo é a melhor cidade do mundo. Embora também a considere uma das mais feias, uma das mais poluídas e uma das mais infernais do mundo, é também uma das mais fascinantes, e sou sincero em meu julgamento. Ao ouvir os sambas de Adoniran enquanto corria, vinham-me à mente os lugares que ele mencionava: Viaduto Santa Ifigênia, Brás, Morro da Casa Verde, Morro do Piolho, Jaçanã, Av. São João, Av. 23 de Maio, Praça da Bandeira, Alto da Moóca, Ermelindo Matarazzo... A maioria deles localiza-se na região central, com deslocamentos para a periferia distante. É onde há muito mais vida e onde São Paulo é muito mais interessante, diferentemente dos Higienópolis, Vila Olímpias, Moemas, Berrinis, Oscar Freires e Alphavilles da vida, com sua mediania e sua falta de humor.
     Dentro  de  mais  algumas  semanas,  chegarei  a  São Paulo e irei correndo visitá-lo depois de quase dois anos sem vê-lo. Sem dúvida andaremos por alguns lugares da geografia de Adoniran Barbosa e entraremos em contato com pessoas muito interessantes. E no início do ano que vem espero poder voltar a viver aí.

domingo, 23 de outubro de 2016

Loucos das cidades

     Andando pela cidade, de vez em quando nos deparamos com os loucos que perambulam por aí falando sozinhos, gritando, profetizando, exercendo manias e comportamentos extravagantes. Sempre tive por eles um sentimento de simpatia e respeito, no mínimo por terem uma existência diferente da vida pasteurizada vivida hoje em dia pelo homem-massa. Claro que eles sofrem e em geral vivem em condições muito precárias, mas não têm de engolir tantas porcarias do dia a dia para "ganhar a vida" nem sua respeitabilidade se define por um trabalhinho qualquer.
     Lembro-me, nas ruas de Divinópolis, de Naná, que há muitos anos vagueia pela noite com seu grande copo de cerveja, cantando e dançando, acordando no dia seguinte entre um bando de cachorros e dando-lhes um bom-dia ultraentusiasmado.
     Nos Estados Unidos havia um que estava sempre perto de minha casa, pedindo dinheiro e xingando quem se recusava a dar-lhe algum trocado. Uma vez, num dia frio, passei por ele, que me cumprimentou educadamente e me pediu dinheiro. Como não lhe dei, ao perceber meu sotaque, perguntou de onde eu era. Respondi-lhe: "Do Uzbequistão." Ao que ele reagiu imediatamente: "Fuck Uzbekistan!".
     Não sei o que acontece em Londres que os loucos não são vistos durante o dia, mas à noite eles emergem em massa e tomam conta das ruas. Basta pegar o metrô ou caminhar pela área central que se verão centenas deles por todo lado.
     Meu amigo Doc, em São Paulo, sempre diz que para lidar com um louco é preciso ser mais louco que o louco e antes do louco. Lembro-me de uma ocasião em que andávamos pelas ruas do Pacaembu, se não me engano para ir até o estádio e visitar o Museu do Futebol. Ao descer uma longa escadaria num morro, que dava acesso à parte mais baixa do bairro, vimos que havia um louco no meio do caminho. Ele partia para cima das pessoas por ali transitavam e gritava com elas, como se fosse o dono da escadaria. Os que desciam o morro levavam sempre um tremendo susto. Ao ver aquilo, Doc disse que iria solucionar o problema. Parei e fiquei assistindo ao que ele faria. Meu amigo desceu as escadas como um transeunte normal e, quando se aproximou do louco, partiu para cima dele e gritou antes de qualquer reação do outro, soltando seu vozeirão. Vi, então, uma cena impressionante: o louco se jogou no chão e assumiu posição fetal, passando a balbuciar como um bebê. A partir de então, todos puderam subir ou descer as escadarias do Pacaembu sem serem incomodados. E confirmou-se o diagnóstico: para tratar com louco, é preciso ser mais louco que o louco e antes do louco.
     Erasmo  de  Roterdã  escreveu  um  elogio  da  loucura, ressaltando como ela está em cada um de nós: "O homem é tanto mais feliz quanto mais numerosas são as suas modalidades de loucura... eu não saberia dizer se haverá, em todo o gênero humano, um só indivíduo que seja sempre tão sábio e não tenha também a sua modalidade". E o psiquiatra Simão Bacamarte, o hilariante alienista de Machado de Assis, tranca toda a população da cidade em sua famosa Casa Verde, sob a presunção de que todos fossem loucos, para no fim das contas trancar-se a si mesmo ao perceber que o doido era ele. Esses grandes autores nos convidam a desconfiar de todo excesso de coerência, de todas as personalidades muito encantadoras, de todos os discursos envolventes, de todos os sistemas que se apresentam como solução para tudo. E uma pitada de loucura é excelente tempero de nossas ações. É por isso que, quando o encontro, depois de um abraço e um beijo, costumo lhe dizer, diante do tempo que temos pela frente: "Vamos fazer muitas loucuras neste fim de semana". E você abre o seu sorriso diante das promessas dessas loucuras.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Rua Passa Tempo


     Há  quem  ache  que  estou  ficcionalizando  quando  digo que morei numa ruazinha chamada Passa Tempo durante a infância. Hoje ela está próxima da área central, mas naquele tempo localizava-se na periferia extrema da cidade. Ao seu final começava uma área de mata fechada onde muitas vezes eu e meus amigos nos embrenhávamos para brincar, estando sempre às voltas com cachorros, peixes de pequenos cursos d'água, cobras e outros bichos perigosos, feitiços com velas coloridas, galinhas pretas sacrificadas e garrafas de cachaça que apareciam pelas encruzilhadas e diante dos quais tínhamos medo e respeito.
     Aí  está  a  placa  da  rua,  que  fotografei  há  cerca  de dois anos. Tudo está muito mudado por lá, inclusive os moradores. Um ou outro remanescente dos tempos antigos me para, pede para entrar em sua casa, me oferece um cafezinho e fica de conversa por longo tempo, querendo saber o que tenho feito da vida. Se neste fim de ano, em dezembro, você realmente puder ir passar alguns dias comigo em Minas, nas proximidades do Natal, vou levá-lo para conhecer este pequeno Olimpo da minha mitologia pessoal.

domingo, 16 de outubro de 2016

Reinados, congados, Reis


     Minha mãe pediu que minha irmã me enviasse uma foto do congado de Nossa Senhora do Rosário, que passou hoje pela manhã pela porta de sua casa, indo até o asilo de velhos que fica nas proximidades, onde encerrariam seu percurso pelas ruas da cidade e almoçariam. Ela foi vê-los e reavivar lembranças dos seus tempos de menina em regiões rurais do centro-oeste de Minas.
     Embora nunca tenha me envolvido diretamente com eles, eu mesmo, quando criança, vi muito os coloridos grupos de congado e reinado passarem pelo bairro onde morava, com seus tambores, seus acordeons, seus pandeiros, chocalhos amarrados aos tornozelos, danças de bater varas ritmicamente, bandeiras com imagens de santos pintadas à maneira naïf, cantos que se alongam. É o catolicismo mais puro e mais dionisíaco dos negros e pobres, junto aos quais cresci. E havia também as folias de Reis, no dia 6 de janeiro, com suas cantigas tradicionais e os coloridos palhaços a visitar as casas, onde cantavam para atrair proteção durante o ano que se iniciava. Muitas vezes minha mãe abriu a porta de nossa cada para os grupos de foliões, a quem servia café e algum petisco. 
     A  esta  altura,  achei  até  que  esses  grupos  estavam se acabando, uma vez que já na minha infância eles eram formados principalmente por velhos. Ao menos os velhos de minha infância já devem ter morrido quase todos. Mas fico feliz por ver a tradição renovando-se e se mantendo com firmeza neste mundo que está se tornando tão homogêneo em sua "modernidade". Sei que há, em Divinópolis, até mesmo uma missa conga.
     Lembro-me de um reinado ou congado que passou perto da casa de minha mãe há alguns anos, num fim de semana em que eu estava por lá. Ao lado da entrada do asilo de velhos, há também um salão onde realizam velórios. E havia um funeral acontecendo no local quando de repente chegou o cortejo com a música de vários grupos ritmada por seus tambores, além das varas batendo no ar. Foi um grande contraste entre o luto da família e dos amigos do morto e a alegria da festiva comitiva que passava e se estabelecia justamente ao lado do funeral. Vi, naquela cena, o próprio espírito de Minas.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

O dom do filho

     Tenho  aqui  comigo  o  livrinho  La  via  Humaine,  do filósofo francês contemporâneo André Comte-Sponville, a quem admiro muito. Em capítulos curtos, ele analisa com beleza as diversas etapas de nossa trajetória por este mundo, mesclando experiências pessoais com uma reflexão filosófica profunda. Num deles, intitulado "Em nome do filho", ele reflete que só existe família a partir do momento em que há um filho, que um casal sem filhos é apenas isso, um casal, não uma família, ao passo que um progenitor que cria um filho sozinho é evidentemente uma família. E a relação de uma família com o filho é  - ou deveria ser - de abertura para o mundo, generosidade, liberdade:

     A  família,  que  dá  tudo  ao  filho,  termina  assim  por dar o próprio filho. Para quem? Para outro homem, outra mulher, por certo, mas também - em primeiro lugar e sobretudo - para ele mesmo. É esse o último dom, o mais belo, o mais difícil, que se chama liberdade.

     Você  é  filho  de  uma  família  que  se  desfez,  mas nunca deixou de ter a sua família. Embora distante, tenho buscado exercer o papel de pai da forma possível, acompanhando seu desenvolvimento, dialogando com você, negociando a definição dos seus limites, fornecendo-lhe suporte econômico, inteirando-me do cumprimento de suas responsabilidades, participando de momentos de prazer com você. Num tempo em que se fala tanto sobre felicidade e que nos apresenta tantas fórmulas para sermos felizes, parece-me que, em grande medida, minha felicidade hoje está atrelada a sua própria felicidade. É mais uma doação de um pai ao filho. 
     Chegará  o  dia  em  que,  como  ressalta  Comte-Sponville, haverá a doação mais difícil e mais bela, e você seguirá seu próprio caminho, provavelmente ao lado de alguém que você ama, e iniciará um novo ciclo familiar, provavelmente na companhia de seu(s) filho(s). Que sua família, então, seja mais integrada e que você não tenha de reinventá-la com migalhas, tal como tem acontecido comigo.

domingo, 9 de outubro de 2016

Svidrigáilovs


     Quando  ouço  certos  nomes,  eles  têm  o  poder  de evocar uma personalidade e um destino. Para alguns escritores, isso também acontecia. Shakespeare, em Othello, dá o nome de Iago a um invejoso manipulador sem limites. Machado de Assis, em Quincas Borba, chama de Palha um burguês rasteiro e aproveitador. Dostoiévski, em Crime e Castigo, dá o nome de Svidrigáilov a um canalha juramentado. A própria sonoridade da palavra já evoca seu mau-caratismo. E Nelson Rodrigues sempre chama os canalhas de suas obras pelo sobrenome, como Palhares, Peixoto, Werneck, Sabino. E a crônica de Brasília tem nos oferecido diariamente uma vasta galeria de canalhas que ocupam hoje o poder. Aí estão nomes como Cunha, Temer, Aécio, Cardoso, Jucá, Bolsonaro, Mendes, Moro, Dallagnol, Calheiros, Caiado... Eles são legião, figuras dignas de beijar a cunhada num corredor da casa do sogro, nomes dignos de um escroque exemplar de Shakespeare, Machado de Assis, Dostoiévski ou Nelson Rodrigues.
     No  fim  de  semana  passado,  ocorreram  eleições municipais no Brasil. Seguindo uma tendência mundial, os resultados foram desastrosos. O momento de crise econômica tem facilitado a ascensão de políticos populistas, que vêm chegando ao poder ou nele permanecendo com plataformas que contemplam o desmanche do Estado, a destruição dos direitos da cidadania, a degradação dos sistemas de educação e saúde. Isso quando não se elegem alardeando propostas excludentes, xenófobas, machistas, racistas, homofóbicas e misóginas. O espetáculo midiático da execração seletiva de políticos corruptos, como temos assistido ultimamente no Brasil, tem contribuído para a despolitização e o analfabetismo político de muita gente. Para coroar um ano em que o fundamentalismo ultraliberal está vencendo por todo lado, só nos falta ver o energúmeno Donald Trump ser eleito presidente dos Estados Unidos no mês que vem. 
     Foi  um  contexto  parecido  com  este  que  gerou  os totalitarismos de direita e de esquerda nos anos 30 do século passado. É apavorante saber que um Hitler chegou ao poder legitimamente, vencendo uma eleição. E que o nazismo teve amplo apoio dos cidadãos comuns da Alemanha. Também é apavorante ver hoje a esquerda demonstrando tanta incompetência e comportando-se exatamente como aqueles que ela historicamente criticou, estando ela também superpovoada por salafrários.
     Mas  os  canalhas,  que  sempre  existiram  e  sempre rapinaram o poder, talvez estejam aí para, como santos às avessas, nos lançarem o desafio cotidiano de sermos bons num mundo mau. Agora que você entrará na adolescência e começará a se preocupar com essas coisas, desejo que não se aliene das questões importantes de nossa sociedade e participe dela, agindo com dignidade e respeito por si mesmo e pelos outros. Jamais pense que, porque as coisas estão assim, permanecerão para sempre assim. Nosso processo histórico, com a participação das gerações anteriores e de nós mesmos, criou este estado de coisas. Tudo está em constante movimento e pode ser diferente.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Perfil


     Encontrei hoje, no meio de um livro, o rascunho de um perfil que preparei de você para um caderno que registrava seu desenvolvimento durante seus primeiros anos. Li-o com um sorriso nos lábios. Em minha biblioteca, na casa de minha mãe, vou buscar esse caderno, que possui muitas outras coisas interessantes a seu respeito. Aqui vai o seu perfil tal como o encontrei:

Arthur de Souza Rabelo, dezembro de 2008, três anos


Nascimento: 13/02/2005

Local: Belo Horizonte

Time do coração: Atlético Mineiro (Galo)

Características de personalidade: Raça, assertividade, argúcia, emotividade, certa inconstância, competitividade, impaciência

Características marcantes: Excelente desenvolvimento da linguagem, um sorriso envolvente, olhos que chamam a atenção

História preferida: “Os três porquinhos” (quer ouvi-la todas as noites)

Esportes: Futebol, natação, corridas, descer barrancos, jogar pedras em garrafas, jogar pedras na água de lagos, rios, poços e córregos

Passeios preferidos: Centro de Práticas Esportivas da USP, parquinhos infantis, Livraria Cultura da Av. Paulista, Instituto Butantã, parque Villa-Lobos

Pratos preferidos: Batatinha frita, escondidinho de carne de sol

Livros: O Menino Maluquinho, Lendas e Mitos do Povo Brasileiro

Músicas: “O pato”, “Se essa rua fosse minha”

Brincadeiras: Lutar na cama, guerra de travesseiro, serrador, ser jogado para cima, esconde-esconde

O que não suporta: Alface e todas as outras folhas, lugares barulhentos

O que não dispensa: Colo e ombros do papai quando vai passear

Espírito: Plenitude, visão encantada do mundo

Bichos preferidos: Cachorro e joaninha

Hobby: Colecionar figurinhas de heróis e personagens de desenho animado

Esquisitice: Olhar para dentro de bueiros com muita curiosidade (nem Freud explica isso)

Férias marcantes: Temporada na casa da Vovó, em Divinópolis, no começo de 2008

domingo, 2 de outubro de 2016

Homo Viator

     Já  não  vejo  a  hora  de  estar  no  Brasil,  desta  vez para ficar. Principalmente desejo estar perto de você, de minha família em Minas, de meus amigos em São Paulo. Será uma volta cheia de alegria e emoção. Claro que não será um retorno para a estagnação. A vida se movimenta o tempo todo, e, por razões profissionais, ainda nem sei muito bem onde vou parar. De início, devo ficar um mês ou dois na casa de minha mãe, em Minas, até encontrar um caminho.
     Conforme  o  filósofo  existencialista  Gabriel  Marcel, somos essencialmente vagabundos em nossa trajetória por este mundo. No fundo, não possuímos nada nem nos estabelecemos em lugar algum, mesmo se permanecemos no mesmo lugar ao longo de toda a vida. O título de um de seus livros, dado em latim, sintetiza bem sua filosofia: Homo Viator, algo como "O Homem como Viajante". Do mesmo modo que possuímos essa dimensão marinheiro ou astronauta, temos também uma dimensão agricultor ou jardineiro que faz com que tantas coisas essenciais tenham origem no fato de termos um lugar onde passamos a infância e onde experimentamos o mundo pela primeira vez, de estarmos enraizados numa cultura e numa tradição. Tanto quanto partir, viver é também voltar para casa. É o que está próximo de acontecer.