domingo, 28 de abril de 2013

Domingo

     Nesta terra em que o sol é artigo raríssimo, aproveitei este domingo de primavera para andar pela borda sul do Hyde Park, onde há alguns museus espetaculares. Um dia o levarei ao Museu de Ciências e ao Museu de História Natural, que estão lado a lado. Tenho certeza de que vai adorá-los. 
     Aí está o vizinho Royal Albert Hall, onde de vez em quando assisto a grandes espetáculos musicais. Atravessando a rua, fica o parque, um excelente lugar para nossas disputas de corridas. Se você pudesse estar aqui comigo agora, eu o levaria a lugares fantásticos e faríamos coisas muito interessantes, apesar do frio e do tempo ruim que quase nunca nos abandonam.
     Fico imaginando como estão sendo os seus domingos em São Paulo. O que estará fazendo? Espero que esteja indo muito além dos joguinhos no computador e do shopping center. A vida é muito preciosa para ser desperdiçada nesse tipo de coisa e em lugares como esse. 

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Pelas ruas do interior

     Nas ruas dos bairros de Divinópolis, é comum esse calçamento de cascalho. Muitas vezes, nas temporadas que passamos na casa de minha mãe, você caminhou sobre essas pedras. Sobre elas disputamos muitas corridas (você venceu a grande maioria delas) e andamos de mãos dadas, com você comentando tudo o que via pelo caminho com o olhar encantado de quem vê as coisas pela primeira vez.
     Me lembro das vezes em que íamos até a lagoa no bairro ao fim da tarde, para dar migalhas pão aos peixinhos. Muitos deles se reuniam na margem, a seu lado, para receber a comida que você lhes oferecia. Eu gostava de vê-lo nesses afazeres gratuitos e simples, algo poéticos. No bairro de uma cidade que ainda preserva alguns matos e lotes vagos, você era popular também entre passarinhos, cachorros, gatos e joaninhas. Hoje, vivendo na metrópole e cercado de concreto e asfalto por todos os lados, não tenho ideia de como anda seu contato com a natureza, com as coisas mais simples e essenciais.
     De todas as nossas atividades juntos, aquela de que mais sinto falta é colocá-lo no ombro e sair andando  e conversando sem rumo pela cidade, sem ter hora de voltar e estando inteiramente ali, um com o outro. Me recordo de que suas perguntas eram sempre profundas na sua pureza. Para elas, eu sempre buscava dar respostas imaginativas e bem-humoradas que lhe soavam verossímeis. O que e como pensará agora o meu rapazinho da Pauliceia?

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Memórias de Belo Horizonte

    Trabalhando na tradução de um romance para o português, de repente uma passagem me fez lembrar do difícil tempo em que morávamos em Belo Horizonte, em seus primeiros anos de vida. Apesar de tantas coisas que me enfureceram, apesar de meu insucesso na capital de Minas, ao menos eu estava junto de você, de quem cuidava, com quem brincava todos os dias, a quem contava histórias na hora de ir para a cama. 
     A passagem do livro em questão trata de um menino brincando na areia com seu baldinho e sua pá. Há muito tempo eu não me lembrava de que toda manhã de sábado eu o levava até um parquinho que fica na rua principal do bairro de Buritis, com seu baldinho e sua pá. Lá você encontrava outros meninos e passava algumas horas revirando a areia e interagindo com eles ou subindo nos brinquedos de madeira rústica que lá havia.
     Há pouco busquei algumas fotografias daquele tempo. Você era bem pequeno. Em geral estamos de boné, para nos proteger um pouco do sol da manhã. Em várias imagens você está no meu ombro ou no meu colo. Há uma em que olho para você com uma expressão de muito orgulho no rosto.
     Agora me lembro também de às vezes levar uma bola de basquete e irmos para as quadras. Eu o colocava no ombro, e você a jogava na cesta muitas vezes, até conseguir acertá-la.
     De vez em quando sou tomado por certa melancolia por haver perdido a sua convivência e por tudo o mais que temos perdido nesses anos todos. Sem dúvida nossa vida empobreceu. Mas as coisas não têm de ser assim para sempre, e nossa vida é cheia de reviravoltas. Que uma delas aconteça nos próximos anos e que possamos resgatar essa alegria de podermos simplesmente ser pai e filho face a face outra vez.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Das palavras

     Se lhe escrevo, é porque acredito no poder da palavra. Já lhe dei computador e telefone celular para conversarmos, mas eles foram desligados ou simplesmente não lhe foi permitido se comunicar comigo. Neste espaço que não pode ser desligado ou censurado por outra pessoa, escrevo também para lhe mostrar que jamais o abandonei. Mas obviamente este caminho de mão única não me satisfaz. Sinto falta de diálogo e interação com você, de simplesmente poder exercer meus direitos de pai. Mas a sordidez que já tive de enfrentar, a fúria que senti, a distância que estou de São Paulo, tudo isso tem contribuído para a sua orfandade.
    Sei que hoje você não lê o que escrevo. Nem o entenderia se o fizesse. Mas o tempo passará, você amadurecerá e terá mais consciência das coisas. E um dia receberá em plenitude essas mensagens lançadas ao seu futuro como garrafas no mar. E nesse dia talvez você possa avaliar o que aconteceu em nossas vidas e talvez possa ainda resgatar um pouco de tudo o que temos perdido.

sábado, 13 de abril de 2013

Lembranças da chuva

     Várias pessoas que nasceram e se criaram em Londres têm me dito que este tem sido o inverno mais longo que já viram por aqui. De fato as coisas estão um tanto estranhas, pois já estamos avançados na primavera, e o frio ainda não nos abandonou. Me recordo de que no ano passado, por essa época, as temperaturas estavam bastante amenas e agradáveis. Mas há sinais de que uma mudança ocorrerá em breve. Hoje foi um dia de sol, embora com um friozinho sub-reptício e com uma chuvinha fina no final da tarde, o que resultou nesses dois arco-íris sobre o rio Tâmisa.
     Sei que as águas de março andaram fazendo seus estragos anuais no Brasil, cobrando seu pedágio em vidas humanas, e que São Paulo, como sempre, sofreu bastante com o caos pós-chuva. 
     Por falar nisso, me lembro de uma vez em que jogamos futebol na chuva, em Divinópolis, no campinho próximo à casa de minha mãe. Você devia ter três ou quatro anos. A seu ver, aquilo foi uma grande aventura. E realmente o foi, como mostram algumas fotos que tirei naquele momento e que estive repassando há pouco. Você se divertia com chutar a bola parada nas poças e espalhar água por todo lado. Além disso, a certa altura quis ser goleiro, para poder saltar sobre o barro acumulado na frente das traves, a fim de fazer grandes defesas. Ao voltarmos para casa, exarcados e sujos de lama, recebemos o devido esculacho de minha mãe, e você foi diretamente para o seu banho quente, de banheira.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Um caminho próprio

     Acho que já escrevi aqui sobre minha angústia diante do fato de que você vai crescer longe de mim, próximo de valores com os quais não me identifico. Precisaríamos no mínimo estar em contato frequente, para que eu pudesse influenciá-lo de modo a se interessar por coisas mais profundas e essenciais do que aquilo que o shopping center, a tv a cabo ou os games podem oferecer.
   Vivemos num mundo muito complexo no qual nossas escolhas têm se tornado cada vez mais determinantes e mais difíceis. O desafio que se coloca diante de nós todos os dias é o de encontrar um caminho próprio, o que está cada vez mais difícil até mesmo pela liberdade de que podemos desfrutar numa sociedade ocidental e urbana moderna e pela vasta gama de opções de que dispomos. Porém, encontrar - ou construir - o próprio caminho é o único meio de sermos felizes. Para isso há um pré-requisito: o conhecimento, que é uma conquista laboriosa e em constante mutação. Gostaria de ser no mínimo alguém que o estimule na apreciação das grandes criações da humanidade - nossas eternas referências - e alguém com quem você possa dialogar. Mas quando chegará o tempo de isso acontecer?

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Mudança


     No domingo passado me mudei para a área central de Londres, em Euston. Vivo agora sozinho num apartamento de sala barroca, mas cozinha, banheiro e quarto modernistas. É só atravessar uma porta e viajar quatrocentos anos no tempo. O proprietário é indiano. Daí talvez venha seu gosto pelos muitos adornos da sala de estar.
    Estou muito bem aqui, pela tranquilidade para desenvolver meu trabalho, pela ótima localização do imóvel e por ele estar em boas condições. Como agora estou morando no olho do furacão londrino, bem próximo das principais atrações da cidade, poderei aproveitá-la melhor. Os grandes museus, muitos teatros e galerias de arte, diversos parques onde posso praticar esportes são agora meus vizinhos. E daqui posso ir caminhando para o trabalho.
     No fim do ano passado, quando nos encontramos, você inocentemente me convidou a ir a sua nova residência, para onde se mudara havia pouco tempo, a fim de conhecer seu quarto. Com o mesmo espírito puro, eu gostaria de convidá-lo a vir conhecer o lugar onde moro, ainda que tenha consciência da impossibilidade de isso acontecer. Mas não custa sonhar...
     Apesar de já estarmos em plena primavera, o inverno ainda não nos abandonou. As temperaturas têm andado em torno de 1°C há vários dias. Um brasileiro há sempre de sofrer numa situação como essa. No meu caso, isso é verdade especialmente quando saio para os parques no fim de tarde, para correr.