sábado, 25 de agosto de 2012

Memórias de uma noite de sábado

     Esta é uma noite chuvosa de sábado em Londres, e estou aqui sozinho. De repente comecei a pensar em você, a me lembrar de nossos passeios, de quando você era bem pequeno, e eu o colocava para dormir e lhe contava histórias. Sua preferida era a dos Três Porquinhos, que eu tinha de lhe contar inúmeras vezes. De modo que você sabia algumas passagens de cor e repetia-as junto comigo.
     Também me recordo de nossos passeios com você no meu ombro, vendo o mundo de cima e comentando tudo, perguntando sobre tudo. E de nós dois subindo barrancos, jogando futebol, fazendo bolinhas de sabão, andando na chuva, jogando pedras nas águas de rios e lagoas. São coisas que perdemos, mas que foram feitas, de minha parte, com grande felicidade a seu lado.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O unicórnio


     No domingo passado estive em Hampton Court, que é um lugar lindíssimo nas proximidades de Londres. Na entrada do palácio de verão de antigos reis da Inglaterra, fica este unicórnio. E o palácio possui jardins lindíssimos onde vi muitos meninos correndo, brincando, alimentando os patos e os peixes nas lagoas. Naturalmente me lembrei de você e desejei que estivesse ali comigo. Eu o colocaria nos ombros - como você gosta - e nos perderíamos no labirinto que há no local, andaríamos por entre as flores e esculturas do jardim, lutaríamos na grama, disputaríamos corridas, brincaríamos de capoeira ou esconde-esconde.
     Há uma peça de teatro do americano Tennessee Williams, The Glass Menagerie, em que a personagem principal coleciona bichinhos de vidro. Seu favorito é justamente um unicórnio, símbolo de sua própria fragilidade que vem a ter o chifre quebrado no decorrer da ação, assim como ela também tem seus sonhos desfeitos. É mais ou menos assim que também me sinto numa hora como esta, mas sei que a vida dá suas voltas e que a fortuna é uma inconstante. Apenas prossigo minha vida tentando estar bem e agindo com ética e dignidade. É só o que me cabe por agora.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Galo na ponta


     Acabo de ver esta charge, que alude à liderança do Galo no Campeonato Brasileiro deste ano. Estamos jogando muito bem, e tudo indica que, depois de vários anos com times ruins, seremos campeões. Se o grande Atlético que vi jogar foi o de Toninho Cerezo e Reinaldo, por agora o seu grande Atlético é o de Bernard e Ronaldinho.
     Espero que você continue atleticano, pois isso faz parte de sua família e de suas raízes. Eu sempre ficava feliz quando alguém pelo caminho lhe perguntava, em São Paulo: "Para que time você torce, menino?" E você: "Para o Galo!"
     No fim deste ano, quando eu for a São Paulo, lhe darei outra camisa do nosso time. Espero que ela seja valorizada ainda mais com a confirmação do título do Campeonato Brasileiro.

domingo, 12 de agosto de 2012

Um dia

     Hoje é o chamado Dia dos Pais no Brasil. Não vou vê-lo nem vamos estar juntos. Não vamos sequer conversar. Mas obviamente vou sentir muito a sua falta, como acontece em todos os dias do ano.
    Nos últimos tempos, tenho buscado não ter uma relação sentimentalista com essas datas. Apenas espero que em dezembro, quando eu for ao Brasil, possamos conversar um pouco e que eu possa lhe dar o meu beijo, falar da minha vida e ouvir da sua. E espero tê-lo comigo dentro de mais alguns anos, vendo-o como uma pessoa de bem, um homem consciente, autêntico e honesto. Assim gostaria de reencontrá-lo sempre ao longo de nossas vidas.
     Sei que você deve ter feito os desenhos e cartões de escola por ocasião do Dia dos Pais. E que não terá como entregá-los. Se puder, guarde-os para o dia que virá. É o que tenho feito como forma de documentar meus sentimentos e preencher um pouco do vazio que ficou, de ter voz em meio ao silêncio e à distância em que fomos obrigados a nos manter.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Travis


     No fim do ano passado, quando tivemos um último contato, fui até a entrada do condomínio onde você mora e lhe deixei, entre outras coisas, uma cópia de Paris, Texas, de Wim Wenders, uma obra-prima do cinema recente. Sempre que assisto a esse filme, sou especialmente tocado pelo resgate da relação entre pai e filho após a desagregação da família de Travis, personagem com quem tenho grande identificação. Como ele, baixei aos infernos e tive de enfrentar sozinho a depressão, a falta de perspectivas, a necessidade de me reinventar e recriar a minha vida. Mas, também como ele, não tenho nenhuma mensagem edificante nem resolvi os meus dilemas e desafios. E, diferentemente dele, ainda não tive a oportunidade de refazer nossa convivência de pai e filho e encontrar um caminho possível à margem da canalhice que nos separou. 
     Um dia, quando você crescer um pouco mais, ao ver esse filme, haverá de compreender muito do que se passou em nossas vidas e de tomar consciência da precariedade das coisas humanas.

sábado, 4 de agosto de 2012

Um gato na Ucrânia


     Passei três dias em Kiev, na Ucrânia, e ouvi uma fantástica história em várias versões sobre este gato, chamado Pantyusha, que hoje é homenageado através desta estátua de bronze no centro da cidade. Acredita-se que passar a mão sobre ele da cabeça ao rabo dá sorte.
     Eu passava pelo lugar onde fica a estátua quando um senhor que ali estava me contou que há muito tempo ocorreu um incêndio na casa em frente, onde ele morava, e Pantyusha salvou a vida de seu dono, mas infelizmente veio a morrer nas chamas. Passa um tempinho, e chega uma guia com um grupo de turistas. Ela para na frente da estátua e conta que o bicho teria salvado várias pessoas por ocasião de um grande incêndio, mas morrido queimado. Passam mais alguns minutos, e o garçom do bar em frente, onde parei para tomar uma garrafa d'água, me conta que teria ocorrido um incêndio de proporções enormes, e Pantyusha salvou a cidade. Um quarto narrador que por ali me aparecesse certamente me contaria que o gato salvou o país de uma catástrofe. As proporções do incêndio e o número de vidas salvas aumentava a cada versão da história. Comum a todas elas é apenas a morte heroica do animal. Do contrário, a narrativa perderia muito de seu impacto.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Retorno de viagem


     Acabo de chegar de uma viagem pela Finlândia, a Rússia, a Ucrânia e a Alemanha. Pensei muito em você nos 17 dias em que fiquei longe, chegando a sonhar, numa das noites por lá, que brincávamos num paque de Moscou, após eu ter passado a tarde anterior nesse parque.
     Aí está uma fotografia de um lugar que me marcou muito por sua beleza: a Igreja da Ressurreição de Cristo, em São Petersburgo. A propósito, me apaixonei pela Rússia, que é um país muito parecido com o Brasil em suas qualidades e também em seus defeitos. E como sou um entusiasta da literatura, pude percorrer os caminhos trilhados por grandes escritores russos, como Dostoiévski, Tolstoi, Gogol, Tchekov, Pushkin e tantos outros. Desejo que você também os leia e os ame quando crescer.
     Tive algumas dificuldades com a língua por lá, pois eu não sei o idioma do país, e é relativamente raro encontrar alguém que fala inglês na Rússia. Nem ler as coisas eu conseguia, pois não estou familiarizado com o alfabeto cirílico. Para se ter uma ideia, aí vai o meu nome em russo, tal como escrito na ficha de registro do hotel em Moscou: Адриано де Паула Paбeлo.