sábado, 22 de fevereiro de 2014

Entre o Ocidente e o Oriente

     Tendo uma semana de folga no trabalho, vim para Istambul, um lugar cheio de história e de uma refinada cultura na fronteira do Ocidente com o Oriente. A própria cidade fica parte na Europa e parte na Ásia. Estou impressionado não somente pela beleza e o significado do lugar, mas também pela culinária turca, que é fantástica, e pelo povo turco, que tem sido muito gentil comigo. Tenho acordado todos os dias com um canto islâmico chamando os fiéis de Maomé para suas orações. Anteontem visitei essa mesquita de imponente arquitetura. Mas fiquei ainda mais impressionado com Hagia Sofia, o magnífico templo erguido pelos cristãos e que posteriormente foi transformado em mesquita, funcionando hoje como um museu. 
     Após muitos desastres e reveses da vida perante a indiferença de Deus, perdi completamente a fé, se é que a tive em algum momento. No entanto, reconheço o poder de agregação e solidariedade das grandes religiões, a despeito do fanatismo, da ignorância e da violência que elas também têm promovido. O saldo me parece amplamente negativo. Por isso, preferencialmente gostaria de vê-lo distante de todas as religiões. Mas, se vier a cultivar alguma, que tome muito cuidado com seu senso crítico, sua inteligência e sua individualidade.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Nove anos e o devir

     Hoje é seu aniversário e mais uma vez não poderei abraçá-lo nem festejar com você esta entrada em seus nove anos de vida. Mas estamos bem. Outros dias quaisquer em que temos nos encontrado têm sido muito especiais e têm compensado um pouco do tempo e da vida que temos perdido em nossa relação de pai e filho.
     Na semana passada lhe enviei um cartão, calculando que ele lhe chegará exatamente hoje. Confiemos na precisão dos correios britânico e brasileiro.
     Nestes anos de distanciamento, nossa vida têm sido uma história de desintegração e renovação depois de tantos percalços e tantos acidentes. Há alguns anos esteve em voga um livro muito instigante do pensador americano Marshall Berman, cujo título é uma frase de Marx: Tudo o que é Sólido Desmancha no Ar. A tese ali defendida é a de que na modernidade esfacelaram-se a estabilidade, as certezas e os valores perpétuos de outras épocas. Assim, ser moderno é justamente renovar-se permanentemente no devir da vida, que se caracteriza pela agitação, a insegurança, a contradição e a angústia. Na instabilidade desse fluxo, no entanto, as coisas fazem sentido quando aceitamos a movimentação de tudo e também nos movemos em busca de uma construção de novas formas de beleza, justiça, felicidade. Essa brevíssima elucubração via Berman tem por fim chamar a sua atenção para a necessidade de hoje sermos flexíveis e versáteis para a recriação de nosso mundo. Tenho aprendido isso à base de seguidos fracassos e muito sofrimento. Nossa vida mesma é a história de um desmanche sobrecarregado de agitação e angústia. Mas ela vem sendo renovada e estamos renascendo do modo como nos é possível. Dentro de mais alguns anos, espero estar próximo de você e fazer parte de seu dia a dia com a alegria que temos cultivado juntos ao longo destes últimos nove anos.
     Que o seu aniversário seja um momento de encontro e diálogo com seus amigos. E que tenhamos, nós mesmos, a oportunidade de um diálogo, ainda que breve, no decorrer do dia.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Nossas lutas

     Num dia chuvoso em que dei aula apenas pela manhã, retornando para casa depois do almoço, repassei, num intervalo entre leituras, um vídeo seu que me foi enviado no fim de semana. Nele você dá chutes no ar, para me mostrar suas habilidades no tae kwon do, arte marcial que agora está praticando com entusiasmo. Quando me enviou esse vídeo, lhe perguntei se também não lhe interessava a nossa capoeira, e o interesse foi prontamente confirmado.
     Me recordo de nossas lutas na cama, ocasiões em que, desde muito pequenininho, você se empenhava para me vencer, o que quase sempre ocorria. Seu grande prazer aos três ou quatro anos era me jogar para fora da cama e depois se lançar sobre mim, no chão, onde a luta era finalizada.
    No fim do ano passado, nossas lutas tiveram uma inovação: uma fantasia de crocodilo e outra de leão que comprei em Londres e levei para o Brasil. Num sábado que passamos juntos em São Paulo, as duas feras africanas se digladiaram num duelo surreal. Mais uma vez, você, trajado de leão, levou a melhor...
     Tenho muitas memórias desses momentos e dessas brincadeiras. Elas me vêm à mente nesta noite fria em que estou sozinho no meu quarto, ao lado de minha cama, cuja grande superfície seria um ótimo ringue para mais um desafio em que, como sempre, o filho busca superar o pai.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Uma viagem a sua primeira infância


     Hoje pela manhã, fui a uma grande loja de departamentos vizinha de onde moro, tendo em vista comprar uma roupa de que estou precisando para uma viagem à Turquia que farei dentro de algumas semanas. Casualmente, no entanto, passei por uma área de livros infantis. Meio de repente, ao pegar um dos livrinhos ali expostos, viajei ao tempo que passamos juntos, quando você ainda era bem pequeno. Era a história dos Três Porquinhos, sua favorita dentre todas as que eu costumava lhe contar à beira da cama, quando o colocava para dormir. Me lembro de que tinha de contá-la dia após dia, milhares de vezes, em algumas ocasiões à noite e também pela manhã, quando você acordava. No momento em que o lobo dava um assoprão para derrumar as casas de palha e de madeira, eu enchia o peito de ar e dava o mesmo assopro em sua direção, com você disparando a rir. Também havia encenação do lobo caindo no caldeirão de água fervente preparado pelos porquinhos e de uma canção entoada por eles no final, quando cantávamos juntos. 
     Tenho saudade daquelas noites e daquelas manhãs.
     Acabei comprando o livrinho para lhe dar quando eu for ao Brasil, agora para que ele o ajude em seus estudos de inglês na escola. Será que meu rapazinho, às vésperas de completar nove anos, ainda se interessará por essas histórias de menino pequenininho?