sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Sapatinhos da primeira infância


     Cheguei  ontem  de  volta a Londres, após quase um mês entre Minas Gerais e São Paulo. Nos últimos dias, estive às voltas com muitos convites para jogar futebol e jantar com amigos. Nas três semanas anteriores, em Minas, pude ler muitos livros e conversar bastante com minha mãe enquanto tomávamos um café. Ela sempre me diz que morre de saudade de você.
     A  propósito,  casualmente  encontrei,  na  gaveta  da escrivaninha, em minha biblioteca, este velho par de sapatinhos que você usou lá pelos seus três ou quatro anos. Guardei-os, e também algumas roupinhas suas, como lembranças de sua primeira infância. Um dia, quando for adulto, eu os retornarei a você como um presente.
     Logo  que  ontem  cheguei  de  viagem, vi que havia um cartão de Natal seu para mim. Nele, que chegou depois de eu haver partido para o Brasil, você diz que está com saudade, deseja que os anjos me acompanhem e me lembra de que sempre me amará e se importará comigo. Que assim seja!

sábado, 23 de janeiro de 2016

A melhor cidade do mundo


     Acabo  de  chegar  a  São  Paulo  bem  cedinho  na manhã deste sábado. Já recebi uma mensagem da casa de minha mãe, em Divinópolis, dizendo que Pérola tem ido até o quarto onde dormi nestes dias, procurando por mim. Andei permitindo até que ela dormisse no chão, ao lado de minha cama, já que ela queria me acompanhar o tempo todo. Vejo agora que há até dois ou três pelos dela no teclado de meu computador.
     Como  não  o  encontrarei  neste  fim  de  semana, tenho planos de futebol e jantares com alguns amigos paulistanos, além de ir até seu condomínio, para deixar-lhe alguns presentinhos que lhe trouxe. Tais amigos já estão me telefonando e certificando-se de que já cheguei nesta cidade infernal mas que amo muito. Se tenho certo sentimento de tristeza por não encontrá-lo desta vez, não vou perder a alegria de estar nesta selva urbana que fez tanto por mim e que tanto mudou a minha vida. Quando chamo-a de melhor cidade do mundo, meus amigos paulistanos costumam se espantar, rir e dizer que não estou falando seriamente.
     Para  este  fim  de  semana  que  começa, gostaria de ter como epígrafe uma fala de Jayme Ovalle a Vinicius de Morais, numa entrevista de 1953: "Todo mundo é criado com o dom da poesia, é só deixa de ser poeta porque perde a inocência. Quanto mais um homem cresce carregando consigo a sua inocência, maior poeta ele é. No fundo, esse pessoal que se torna banqueiro, ou senador, ou Presidente da República, só faz isso porque deixou de ser poeta, ou porque é poeta frustrado." Que meu menino, onde quer que esteja e por todas as idades, jamais perca a poesia e essa boa inocência.

sábado, 16 de janeiro de 2016

Algaravias

     Há  duas  semanas  estou  na  casa de minha mãe. Nestes últimos dias, tem chovido sem parar, fenômeno comum no sudeste do Brasil nesta época do ano. De todo modo, além do reencontro familiar, tenho revisto também alguns amigos e estado muito próximo de Pérola, nossa golden retriever fêmea, que passa o dia comigo onde quer que eu vá e quer mesmo dormir ao lado de minha cama.
     Mas esta passagem pelo Brasil está sendo marcada por alguns episódios não muito felizes. Nesta semana, há três dias, acordamos todos, por volta das duas da madrugada, com o som de vidro quebrando e Caju, o golden macho, que dorme do lado de fora, latindo alto. Minhas irmãs gritaram meu nome, e eu saltei da cama, pegando uma faca na cozinha e indo ver o que estava ocorrendo. Do lado de fora da casa, alguém subira pelas grades da janela do quarto de minha mãe, que dá para a rua, e quebrou, com uma pedra, o vidro da janelinha do banheiro no mesmo quarto, que também faz frente para a rua. Ou o criminoso fez um teste para verificar se havia alguém em casa ou pretendia tentar alguma coisa pela janela do banheiro, que era a única sem grades. Quando eu e meu sobrinho, bem como alguns vizinhos que acordaram com o rebuliço, saímos à rua, o bandido já havia fugido.
     Esse  episódio  nos  diz  muito  sobre o fracasso do Estado, das políticas de segurança pública em todos os níveis de governo e das relações sociais no Brasil. Como diante dessa infâmia temos de buscar soluções individuais, tivemos de colocar grades também na janelinha do banheiro, câmera filmadora, luz externa com sensor de movimento e uma placa avisando que há um cachorro bravo na casa.
     Outro  triste  acontecimento  foi saber, nesta semana, que você será levado em viagem justamente quando irei a São Paulo para encontrá-lo. É incrível que eu atravesse o Oceano Atlântico para vê-lo, e, exatamente quando estou aqui, você é levado para outro lugar. Obviamente isso me atinge fortemente. Enquanto penso nas medidas legais a tomar, deixarei, na portaria do seu condomínio, os presentes que lhe trouxe e os cheques para pagar sua pensão ao longo deste ano. Algaravias da avareza espiritual...

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Desconectada e feliz

     Minha mãe está, ou melhor, é totalmente desconectada e é feliz. Figura que parece saída do Grande Sertão: Veredas, ela passa sempre longe dos computadores, possui um telefone celular bastante obsoleto que fica desligado dentro de seu guarda-roupa e acha o tal Facebook um coisa de gente sem o que fazer, no que estou inteiramente de acordo. 
     Mineiramente sua avó desconfia desse excesso de tecnologia a reger nossas vidas. Outro dia, quando tomávamos café no meio da tarde, meu sobrinho Vinícius passou por nós. Virei-me para ela e tasquei-lhe a pergunta:
     - O que a senhora faria se descobrisse que este rapaz anda twittando por aí?
     E ela:
     - Problema dele, quer fazer coisa errada, assuma as consequências! 

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

No Brasil


     Estou  novamente  na  casa  de minha mãe por alguns dias. É sempre bom estar junto de nossas coisas e das pessoas fundamentais em nossas vidas. Quando o avião se aproximava do aeroporto, eu já sentia uma grande alegria ao ver, de cima, uma vasta paisagem com nossas montanhas e nossos rios. Em suma, eu me sentia como um Ulisses que retorna a Ítaca, um pequeno pontinho no cosmos onde pode ser ele mesmo em sua integridade, alguém que possui um nome e uma identidade. Tal como o herói grego, eu também reencontro o sentido da vida nesse retorno.
     Tenho  passado  muitas  horas  em minha biblioteca, lendo livros que não pude ler no decurso do ano passado, em virtude das exigências do trabalho e de outras leituras prioritárias. Nesta semana estou às voltas com Qu'est-ce Qu'une Vie Réussie, de Luc Ferry, A Espuma dos Dias, de Boris Vian, e O Mestre e Margarida, de Mikhail Bulgákov.
     No  penúltimo  fim  de  semana do mês, estaremos juntos em São Paulo. Levarei uma surpresa para você e tenho algumas ideias para uma disputa. Leremos juntos um livrinho com a história favorita de sua primeira infância. E viveremos juntos um pouco mais da nossa própria história.