Lembro-me de uma vez você ter rido de uma frase que ouvi ou li não sei onde: "'Cada um dando um pouco se fazem grandes coisas', como disse a sardinha urinando no mar". Como você, gosto desse humor infantil, feito de exagero e inocência.
Quando nos encontramos, você mesmo gosta de me propor charadas e adivinhas em geral bem-humoradas.
Em O Chiste e sua Relação com o Inconsciente, livro em que Freud analisa psicologicamente o humor, ele apresenta um diálogo engraçado pelo absurdo e certa crueldade da situação, além da ambiguidade das palavras:
"Como tem andado?", perguntou um cego a um paralítico.
"Como você está vendo", respondeu o paralítico.
No Brasil, a fala do povo é cheia, por exemplo, de comparações hilariantes. Recordo algumas que ouço de vez em quando: "mais sozinho que chinelo de Saci", "mais complicado que calça de polvo", "mais feio que bater em mãe em dia de Sexta-Feira da Paixão", "mais perdido que Adão no Dia das Mães", "mais contente que cachorro com dois rabos", "mais longo que arroto de girafa", "mais perigoso que cirurgião com soluço", "mais nervoso que gato em dia de faxina", "mais fechado que porta de submarino", "mais difícil que fazer gargarejo de bruços"...
Meu amigo Doc, em São Paulo, vive dando uma definição do amor que não é nada romântica, carregada que é de certa rudeza expressiva: "Amar é um saco!".
Meu amigo Doc, em São Paulo, vive dando uma definição do amor que não é nada romântica, carregada que é de certa rudeza expressiva: "Amar é um saco!".
E os insultos na língua do povo, que possuem léxico e uma sonoridade riquíssimos, costumam ser também muito criativos. Lembro-me de uma vez, nas ruas de Divinópolis, ter ouvido um bate-boca em que alguém disparou um "Seu filho de uma sapa!". A surpreendente variação do clássico e desgastado xingamento tornou-o ainda mais virulento e ofensivo.
Temos uma cultura popular exuberante que é uma das muitas razões para se ter orgulho do Brasil. E também costumamos utilizar a língua de forma criativa, apesar de costumarmos nos dar uma liberdade tão ampla em seu uso que muitas vezes descamba para a falta de rigor e de um mínimo de formalidade necessária. De todo modo, sou muito simpático a esse bom humor que se manifesta inclusive em nossas injúrias. Como eu, você também se diverte com isso e até tira proveito da expressividade desses ditos no que fala e no que escreve. Acho importante que sua cultura vá de Dante às adivinhas, da tragédia grega à capoeira, de Bach ao forró, apesar de saber distinguir seus diferentes pesos e seus diferentes contextos. Isso indica no mínimo um espírito curioso e uma mentalidade aberta.