quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Paisagens rurais


     Gosto desta foto que tirei no interior da Inglaterra em meados do ano passado. Trata-se de uma região rural próxima da cidade de Salisbury e das conhecidas pedras de Stonehenge. Não sei por que, olhando para esta imagem, me lembrei das áreas rurais do interior de Minas, de onde vieram meus pais. Em algumas poucas ocasiões, tive a oportunidade de estar junto com você nesses amplos espaços pouco povoados e mais próximos da natureza. Foi muito bom carregá-lo nos ombros e seguir pelas trilhas rurais conversando com você ou sentar a seu lado na beira de um riacho, onde você gostava de jogar pedras para ver a água saltar. 
     Durante alguns anos cheguei a acalentar a ideia de um dia adquirir um sítio, para onde iríamos nas férias e nos fins de semana. Seria uma alegria poder correr com você pelas campinas, ter cachorros, gatos, passarinhos, patos, galinhas, cavalo, vacas e talvez até algum macaco de estimação. E ao menos alguns pés de jabuticaba, um córrego que passasse por perto, uma horta. Possivelmente a cultura caipira, que respeito muito e que hoje está quase morta, seja ainda muito forte em mim e eu tenha nostalgia de um lugar como esse, que nunca possuí e onde não muitas vezes estive de fato, pois desde o nascimento tenho vivido na cidade.
     Hoje, tendo a vida tomado rumos tão inesperados e estando apartado de você, nem penso mais em ter um lugar alternativo no campo. De todo modo, às vezes minha ancestralidade e a memória das coisas boas vividas por lá fazem com que ele esteja presente em minha vida.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Outra educação


     Acabo de retornar de Atenas, onde fui falar sobre a tragédia grega, uma das mais extraordinárias criações da cultura ocidental. Aproveitei para ficar mais três dias e passear pela cidade. Foi uma bela experiência e um encontro direto com algumas maravilhas da brilhante civilização que se desenvolveu ali, muito especialmente nos séculos V e IV a.C.
     Aí está uma escultura em bronze do Museu Arqueológico que mostra um menino cavalgando um animal em rápido galope. As crianças recebiam, então, uma educação muito diferente da que recebem os meninos de hoje, preparando-se para se tornarem guerreiros e cidadãos verdadeiramente participativos. 
     Desejo que sua educação seja, em parte, como a deles. Espero que, ao lado do estudo das letras e das ciências, você pratique esportes e se exercite nas artes, que discuta os problemas do nosso tempo e defenda as causas humanistas e o bem geral, que aprenda a amar o Brasil e a nunca aceitar as injustiças de nossa sociedade, contrapondo-se a elas e enfrentando os injustos, que se exercite na solidariedade e na generosidade também. E, em meio a tudo isso, que salvaguarde sua personalidade própria e sua individualidade. Não seja jamais um homem-massa e nunca pense automaticamente com nenhum grupo.
     Claro que tudo isso não é fácil e deve ser uma prática e um esforço cotidiano e para toda a vida, ainda mais num mundo em que imperam tamanhas tentações para a banalidade, o entretenimento vazio e o consumismo vulgar. Mas fazer frente a esse desafio talvez seja a mais ampla forma de heroísmo do nosso tempo.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Troca de dentes

     Ontem, numa aula sobre temas da cultura brasileira, tratei das festas juninas, e o assunto acabou desaguando nas simpatias. Entre outras que mencionei como exemplo, me lembrei de uma que trouxe de imediato sua imagem a minha mente, tal como o vi na última vez em que nos encontramos. Você está trocando os dentes e sua boca está cheia de janelinhas. Vi que os dentes novos e definitivos estão nascendo saudáveis e fortes. Tal como os meus, os seus incisivos possuem serrinhas.
     Mas, voltando às simpatias, me recordo de uma que minha mãe me punha a fazer sempre que algum dente de leite caía. Era preciso jogá-lo sobre o teto da casa e dizer:

     Leão, leão
     Leva este dente ruim 
     E traz outro bão!

     Tinha de ser "bão" para rimar com "leão". Além do mais, estávamos no interior de Minas. Menino de sete anos, eu não tinha nem força suficiente para conseguir facilmente jogar o dente sobre a casa, e várias tentativas tinham de ser feitas até conseguir, sempre falando esses versinhos antes da nova tentativa. Deve ter funcionado, pois sempre tive, de fato, dentes muito bons, que nunca me causaram problemas.
     Eu desejaria muito estar a seu lado neste momento e repetir esta simpatia, que certamente seria vista por você de forma encantada e mágica, tal como aconteceu comigo quando eu tinha a sua idade. E essas coisas, tal como aconteceu comigo, iriam fertilizar a sua imaginação.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Seu aniversário

     Acordei bem cedinho hoje e me lembrei de que é o dia de seu aniversário. 8 anos! Rapidamente você cresceu e se tornou um rapazinho inteligente e pleno de vivacidade, mas esse tempo tem passado muito lentamente após você ter sido apartado de mim.
     Me lembro em detalhes do dia em que nasceu, em 2005, um domingo de sol radiante em Belo Horizonte. Desde o começo da semana, houve toda uma preparação para recebê-lo. E na sala de parto, por não compreender bem o que se passava e ficar num canto enquanto o médico e seus auxiliares metiam mãos à obra, fiquei muito apreensivo e um tanto perdido em minha ansiedade. Até que você nasceu chorando fortemente. Pesava 3,625 kg. Peguei-o no colo ainda meio sem jeito, antes de você ir para uma sala com outros bebês nascidos no mesmo dia, para ficar em observação. Muitas vezes cheguei até o vidro para contemplá-lo. Quando estava no quarto, via-o por um circuito interno de tv, enquanto se revirava e se debatia. De imediato seus grandes olhos negros chamaram a atenção de todos. Até que chegou o momento de você vir para o quarto. Foi uma felicidade tê-lo no colo ou, ainda bem pequeno, dormindo sobre o meu peito.
     Neste dia de tanta importância na sua e na minha vida, gostaria de lhe desejar que consiga atravessar a vida com garra, que possua sensibilidade e força para superar suas dificuldades, além de capacidade de reorganização para seguir em frente diante dos seus fracassos, que a crueza com que inevitavelmente temos de nos defrontar não mate a alegria que irradia de seus olhos e o bom humor que é parte de seu espírito.
   

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Caju


    Tenho agora um novo cachorro. Este belo golden retriever, que é um excelente nadador, é Caju, de onze meses, que me foi oferecido por seus ex-donos ao se mudarem de uma fazenda para a cidade.
     Gostaria que você, que está sendo criado numa cidade como São Paulo, aprendesse a amar os animais e a protegê-los. Por ocasião de suas estadias na casa de minha mãe, sua pouca familiaridade com os bichos fez com sempre se mostrasse com medo de Pérola, a golden de minha irmã, que é o cachorro mais dócil que já conheci. Espero que ainda possamos, nós dois, correr pelos parques com Caju e jogar bolas ou galhos de árvores sobre os lagos, para que ele vá buscá-los.
     Dentro de mais algumas semanas, começará a primavera, e o tempo ficará melhor em Londres. Muitas flores se abrirão numa explosão de cores e cheiros. A cidade fica lindíssima e muita gente vai para os parques. Sei que vou desejar tê-lo ao meu lado e vou nos imaginar disputando corridas de 50m, soprando dentes-de-leão, jogando pedras sobre as águas, experimentando o mundo sem pressa e sem compromissos.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Da escola primária


     No fim do ano passado, num dos dias em que estive em Divinópolis, passei diante do prédio da Escola Estadual Jovelino Rabelo, onde fiz os quatro primeiros anos dos estudos primários. O prédio continua muito parecido com o que era nos anos 1970, quando fui aluno da severíssima D. Vitória, que, à parte o excessivo rigor de disciplinadora, era ótima professora.
     Quanto à escola Jovelino Rabelo, cujo homenageado não foi nosso parente, era (e ainda é) uma escola de meninos pobres onde aprendi coisas fundamentais. No meu tempo, a alfabetização ainda era feita com o uso de certa Cartilha Sodré, que vinha de gerações anteriores, dos anos 50 e 60. Mas era bem feita. Naquele tempo fiz muitos bons amigos, que foram se perdendo no turbilhão da vida. Me lembro de correrias, risos, brigas e futebol no pátio escolar. E me lembro de uma grande pedreira nos fundos da escola, onde os alunos subiam em suas brincadeiras e em sua curiosidade pelas lagartixas que lá habitavam. Dessa época me recordo ainda de uma festa junina em que me vestiram de caipira para dançar uma quadrilha. Muito tímido, me senti ridículo ao ir pelas ruas, de casa para a escola, naqueles trajes, com aquele falso bigodinho, aquela falsa falha nos dentes, aquela camisa xadrez avermelhada, a calça remendada atrás e uma botina velha...
     Hoje você está no segundo ano primário, estudando em uma boa escola particular de meninos da classe média paulistana. Vi que está escrevendo muito bem e que tem um excelente nível de linguagem. Minha única preocupação é a possibilidade de você vir a partilhar da mentalidade miserável - direitista e reacionária - da maioria esmagadora dos pais de seus colegas. Sei que é grande a possibilidade de os valores dessa corja lhe estarem sendo transmitidos. Também por isso quero estar próximo de você, acompanhar o que faz e discutir o que pensa.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Um longo intervalo

     Há algumas semanas não lhe escrevo pelo fato de o acesso à administração do blog de repente me ter sido negado, em virtude algum problema com o login e a senha. Mas, felizmente, após fazer muitos contatos com os administradores desta rede de blogs, recuperei a prerrogativa de fazer novas postagens neste espaço. É uma alegria poder voltar a lhe falar do que se passa em nossas vidas. Para mim, isso é uma forma de resgatar a paternidade e vivenciá-la da maneira possível nas circunstâncias em que estamos.
     Já faz quase um mês que estou de volta à Inglaterra. Neste período, telefonei muitas vezes para o número do celular que lhe dei no final do ano passado, mas ele está sempre desligado. Imagino que  isso aconteceu por uma ação deliberada, para que eu não consiga me comunicar com você. Mas vamos seguir a vida e esperar a nossa vez.
     Neste semestre, tenho trabalhado muito, mas tenho me sentido renovado e reencantado depois do encontro que tivemos em São Paulo. Tenho muitos planos para este ano e um pressentimento de que ele será muito rico em experiências pessoais e muito produtivo no meu trabalho.