segunda-feira, 30 de março de 2015

Da generosidade


     Há  uma  xilogravura  de  Hans  Holbein,  o  Jovem, intitulada "A Morte e o Avarento", de 1523, que mostra o último momento da vida de um sovina, quando a Morte vem buscá-lo. Sozinho no interior de uma casa que é uma fortaleza, num cômodo que possui uma janela com dupla proteção de grossas grades de ferro e rodeado por baús cheios de dinheiro, o avarento abre os braços em desespero diante de uma Morte esquelética, que - horror dos horrores - recolhe um monte de suas moedas sobre sua mesa. 
     Imagens  desse  tipo,  que  em  seu  conjunto  recebiam a denominação de "A Dança da Morte", foram muito recorrentes nas artes do final da Idade Média e tinham por fim lembrar a todos da universalidade da morte, que um dia chegará para todos, não importando a sua condição em vida.
     A  gravura  de  Holbein  continua  atualíssima, lembrando-nos de que este mistério que é a vida está passando e vai acabar, que pode acabar a qualquer momento e que não podemos nos tornar escravos das necessidades materiais ou, ainda pior, do dinheiro como um fim em si mesmo.
     Mas  essa  obra  do  grande  artista  alemão  sempre  me faz pensar no contrário da avareza: a generosidade. Esta é uma das qualidades que mais valorizo nas pessoas e que busco eu mesmo praticar. Partilhar com os outros o meu mundo e as minhas coisas, ajudar a quem precisa de modo a manter a dignidade do necessitado, indo além da mera caridade, ouvir o que o outro tem a dizer, tratar a todos com cortesia e respeito, cultivar o bom humor no dia a dia, reconhecer os méritos alheios são atitudes que estão em consonância com uma vida que vale a pena ser vivida. Não lhe escrevo isso como um virtuoso que fala de cima para baixo. Estou longe de ser um modelo de virtudes. Apenas me alegraria saber que, ao longo de sua jornada por este mundo, você manterá a generosidade e a nobreza de coração como fundamentos de suas atitudes.

sexta-feira, 27 de março de 2015

Bárbaros entre nós

     Nestes  últimos  dias  andei  muito  envolvido  com exames na universidade onde trabalho, não tendo acompanhado muito de perto o noticiário. Com isso, somente ontem fiquei sabendo que na semana passada houve um atentado terrorista no Museu do Bardo, em Túnis, em que 22 pessoas, a grande maioria estrangeiros em visita à Tunísia, foram assassinadas a tiros por dois fanáticos. 
     Há  apenas  algumas  semanas,  passei  um  dia inteiro nesse museu, que é excelente. Cheguei a ver um vídeo divulgado pelo governo do país, mostrando a ação dos policiais que mataram os terroristas e libertaram os reféns. Os visitantes à instituição que escaparam com vida correm confusos e desesperados.
     É  incrível  como  atualmente  temos  de  conviver com essas coisas. Armas de fogo estão se tornando cada vez mais letais, mais portáteis e mais baratas, permitindo a qualquer fanático ou a grupos de bárbaros como os que hoje atuam na Síria e na Líbia sob a denominação de Estado Islâmico (que nada tem a ver com o islã de tantas grandes civilizações e tantas grandes criações artísticas) dar vazão a sua loucura e a sua monstruosidade. A inspiração religiosa dessas infâmias é um fator a mais - ao lado do principal fator, a simples perda da fé - a me manter distante de qualquer forma de religião como sentimento, atividade e organização, já que perdi todo o interesse por ela.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Um poeta para a vida

















     De  vez  em  quando  sonho  com  poemas belíssimos, mas, ao acordar, não me lembro mais deles. Trata-se de um fenômeno estranho que acontece comigo já há muitos anos. Daria tudo para despertar e me recordar ao menos de um único daqueles textos. De vez em quando também, em estado de vigília, arrisco-me compor versos. Gosto de uns poucos poemas que escrevo, nas não da maioria deles. Da adolescência até os vinte e poucos anos, escrevi poemas com entusiasmo, porém com o tempo e os desencantos da vida fui me tornando cada vez mais prosaico. 
     Aí  está  meu  poeta  favorito,  mineiro  como  nós. Sempre que vou ao Rio de Janeiro, gosto de passar por sua estátua na praia de Copacabana, num banco onde ele costumava se sentar. Eu e meus amigos do interior de Minas, durante a adolescência, praticávamos a poesia imitando o estilo e os temas de Carlos Drummond de Andrade. Lembro-me de quando ele morreu, em agosto de 1987. Com os hormônios ferventes de meus 18 anos, ao encontrar meus amigos de literatura, todos nós com lágrimas nos olhos, abracei-os e lhes disse: "Drummond morreu!". No que fui também abraçado e consolado. Era como se tivéssemos perdido um pai ou uma pessoa muito amada qualquer.
     Tenho  em  minha  biblioteca,  que  está  na  casa  de minha mãe no Brasil, a sua obra completa. E mantenho aqui a antologia de seus poemas organizada por ele mesmo, que revisito com frequência. Além disso, tenho seus poemas declamados em áudio no meu telefone e ouço-os de vez em quando enquanto corro pelas margens do rio Tâmisa, no fim de tarde. Ao longo dos anos a poesia de Drummond tem feito parte essencial de minha vida. Se me perguntarem quais são os meus poemas favoritos em sua obra, direi: "Viagem na família", "Elegia 1938", "José", "Mãos dadas", "Confidência do itabirano", "Retrato de família", "Morte do leiteiro", "A máquina do mundo", "Menino chorando na noite", "Consolo na praia"... E tantos outros, que sei de cor.
     Lembro-me  de,  no  ano  passado,  haver lhe dado um livrinho com uma seleção de poemas infantis de Vinicius de Moraes. Em breve pretendo introduzi-lo na obra poética de Drummond, esperando que ela possa também nutrir sua sensibilidade com a beleza neste mundo em que a vulgaridade e a grosseria tem ganhado cada vez mais espaço.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Uma língua do afeto

     Numa  aula  desta  semana,  meus alunos se deliciaram quando trabalhamos com um texto de Gilberto Freyre, uma passagem de Casa-Grande & Senzala em que o sociólogo pernambucano trata do abrasileiramento da língua portuguesa realizado em grande medida pelos escravos negros. Por exemplo, há as palavras da linguagem infantil: "cacá", "pipi", "bumbum", "neném", "papá", "papato", "au-au", "bambanho", "cocô", "dindinha", "bimbinha". Há também os nomes próprios que foram amaciados e perderam a solenidade. Como escreve Freyre, "as Antônias ficaram Dondons, Toninhas, Totonhas; as Teresas, Tetês; os Manuéis, Nezinhos, Mandus, Manés; os Franciscos, Chico, Chiquinho, Chicó; os Pedros, Pepês; os Albertos, Bebetos, Betinhos. Isto sem falar das Iaiás, dos Ioiôs, das Sinhás, das Manus, Calus, Bembéns, Dedés, Marocas, Nocas, Nonocas, Gegês"... 
     Esse  é  o  Brasil  profundo,  afetivo  e  luminoso que tem entre suas glórias futebolísticas jogadores chamados Didi, Vavá, Pelé, Garrincha, Tostão, que levaram seus nomes infantis pela vida afora e com eles fizeram carreira na vida pública. Até o ditador Getúlio Vargas era Gegê para o povo que o tinha na conta de "pai dos pobres". E nosso catolicismo popular chega ao ponto de chamar no diminutivo santos estrangeiros de nomes pomposos. A francesa Teresa de Lisieux no Brasil é Santa Teresinha, e o capadócio de nome grego Longino é São Longuinho, que ajuda a encontrar objetos perdidos.
     De  sua  primeira  infância,  quando  vivíamos  juntos  e eu cuidava de você, lembro-me de muitas daquelas palavras mencionadas pelo sociólogo. E poderia lhes acrescentar termos como "xixi", "bainho", "mamá", "mimi", "tutu", "bililiu", que, pronunciados por mim e outros adultos em torno de você, ecoavam a fala da mãe preta do tempo da escravidão, que era a mãe de fato inclusive dos meninos brancos filhos do senhor das casas-grandes e, posteriormente, dos sobrados nas áreas urbanizadas e que é hoje a mãe ancestral de todos nós. 
     Essa língua plena de afeição retorna hoje sempre que você me chama de "papai". E é como se eu a reencontrasse até mesmo aqui, na boca de fleumáticos ingleses, quando, no futebol, ao me pedirem um passe, se dão a liberdade de me chamarem de "Adri" por eu ser brasileiro.

terça-feira, 17 de março de 2015

Um arcaísmo de smartphone nas mãos

  manifestações impeachment dilma















     Se  há  épocas  débeis  mentais,  como  aventou  um profundo pensador da civilização brasileira, a nossa é seguramente uma delas. Há já algum tempo que os maiores imbecis com acesso aos grandes meios de comunicação vêm utilizando-os para fazer declarações expressando ideias que os imbecis sempre tiveram, mas que tinham vergonha de exibir em público. Fazem agora parte do nosso dia a dia os mais grosseiros políticos, pastores, jornalistas, apresentadores de televisão e até acadêmicos fazendo alarde de opiniões racistas, sexistas, homofóbicas, classistas, fascistas. Nos últimos anos, essas vulgaridades vêm se tornando mais frequentes e mais difundidas, em virtude do engajamento dos grandes meios de comunicação nas políticas mais retrógradas, sustentadas por ideologias cada vez mais próximas da extrema direita. Em jogo estão o privilégio de uma oligarquia, a separação entre cidadãos de primeira classe e os outros, a subordinação dos pobres à classe senhorial, a desqualificação do país em relação às "potências" do norte. Nesse contexto, não surpreende a explosão de violência e insegurança na sociedade brasileira.
     No  último  fim  de  semana,  por  exemplo, a classe média branquinha e estulta foi às ruas das grandes cidades do país com a camisa amarela da Nike, exigindo o impeachment de nossa presidente após seu candidato perder as eleições no fim do ano passado. Esses executivos da Vila Olímpia, esses inocentes do Leblon, esses funcionários do setor bancário de Brasília, esses moradores das Magabeiras de BH se organizaram por meio de seus smartphones e suas redes sociais, com sua linguagem plena de abreviações e termos chulos, para bater panelas nas avenidas Paulista, Atlântica e nas Savassis da vida, gritando palavrões e até pedindo um novo golpe militar e uma nova ditadura. Pergunto-me se esses boçais têm alguma noção das infâmias cometidas no tempo dos generais todo-poderosos, das feridas daquele tempo que ainda estão abertas e sangrando, da herança de autoritarismo, falta de diálogo e desrespeito à lei que nos foi legada pelos ditadores fardados. Tudo indica que não, pois querem agora desenterrar o golpismo. Em seus protestos, não se veem essas madames de yorkshire terrier nos braços, esses profissionais liberais que passam férias em Miami, esses comerciantes que sonegam impostos, esses médicos que não trabalham nos postos de saúde pedirem, por exemplo, reformas do sistema político que impeçam a promiscuidade partidária, leis que tornem a corrupção um crime hediondo e inafiançável, taxação das grandes fortunas, reforma agrária, combate à extrema desigualdade social e elevação do nível da educação pública. Querem apenas que seus privilégios sigam intocados.
     Se  nos  aparecesse  de  repente  um José do Patrocínio ou um Martin  Luther  King Jr. que subisse num caixote na avenida Paulista, Atlântica ou numa Savassi qualquer e começasse um discurso com as palavras "Eu tenho um sonho...", não seria ouvido por ninguém. Ou seria silenciado por algum leitor de Veja a gritar que o lugar dos negros é nas favelas, nas oficinas mecânicas, nos quartinhos de empregada ou nas prisões.
     Esse  é  o  Brasil  arcaico  do  qual  precisamos  nos livrar. Que você se mantenha para sempre não apenas longe dele mas contra ele.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Um dente-de-leão


     Aqui  está  um  de  seus  brinquedos  favoritos. Um dente-de-leão para soprar e ver as plumas esvoaçando pelo ar. No campus da USP, onde costumo levá-lo para jogarmos futebol quando vou a São Paulo, há sempre muitos deles. Ao encontrar essas plantas, paramos por um instante, colhemos algumas hastes, e volto a ser criança a seu lado, na gratuidade de uma brincadeira tão simples e tão alheia ao império da tecnologia moderna.  
     A  propósito,  na  medida  em  que  os  meses  passam enquanto estou tão longe de você, começo a sentir saudade de nossas brincadeiras, de nossas lutas, corridas, disputas na piscina, esconde-esconde pela casa, guerra de travesseiros, subir e descer barrancos, passear na chuva, jogar pedra numa garrafa à distância para verificar quem a quebra primeiro... Muita ação e muita energia, com alguma sujeira de roupas pelo caminho e alguma inquietação do espírito protetor de sua avó e minha mãe.

sexta-feira, 13 de março de 2015

A deformação do menino

     Não  sei  onde  li  certa  vez  que  em  algum  lugar há uma seita que considera que o homem é a degeneração do menino. Para seus fiéis, o menino seria um ser perfeito que, no decorrer dos anos e no contato com a sujeira do mundo, deforma-se lentamente no homem. Essa ideia, que está em consonância com o pensamento de um filósofo como Jean-Jacques Rousseau, me parece muito interessante e real. Quando considero sua pureza, sua falta de malícia, a verdade que emana de tudo o que você diz, o brilho do olhar de quem ainda está vendo tudo pela primeira vez e comparo essas coisas com minha melancolia, minha dureza, minha desconfiança dos outros, os arabescos de meu discurso, dou razão àqueles místicos e ao pensador suíço. E lhes concedo a mais plena e irrestrita razão quando vejo o que os homens feitos andam cometendo em nossa vida pública, bem como na relação com suas famílias, com seus amigos, com seus colegas de trabalho e até com seus inimigos. Talvez apenas os santos e os poetas sejam os únicos homens que escapam dessa degeneração justamente porque levam pela vida inteira a clarividência do menino, o olhar desembaçado de preconceitos e teorias do menino, a voz sempre pronta a fazer as perguntas e afirmações essenciais do menino.

domingo, 8 de março de 2015

Abbey Road

     Andando  hoje  pela  região  de  Saint John's Wood, no noroeste da cidade, passei casualmente pela Abbey Road. Na esquina onde os Beatles tiraram a famosa foto cruzando a faixa de pedestre em 1969, capa do disco com o mesmo nome da rua, estavam lá os eternos grupos de brasileiros e japoneses tirando suas fotos enquanto recriavam a mesma cena, atravessando a rua de quatro em quatro. Eu, que sou um tímido, morreria de vergonha de fazer aquilo.
     De  vez  em  quando  passo  por  lugares relacionados à trajetória dos Beatles em Londres. Outro dia mesmo andei pela Saville Row e olhei para cima ao passar pelo edifício em cujo topo eles fizeram sua última apresentação.
     Sei  que  você  também  é  fã  deles.  Até  já  tocou "Yellow submarine" e "Here comes the sun" para mim no ano passado, numa vez em que conversamos pela internet. Foi a primeira vez que testemunhei suas habilidades ao violão, tendo ficado vivamente impressionado. Quando pudermos viajar juntos, gostaria de trazê-lo aqui e lhe mostrar alguns lugares ligados aos quatro cavalheiros de Liverpool - que foram grandes poetas e grandes músicos - e também a algum lugar onde suas canções são tocadas ao vivo. O fato de um menino brasileiro da sua idade ser admirador deles só comprova a perenidade e a universalidade do que eles fizeram.

sexta-feira, 6 de março de 2015

A autoridade do fracasso

     Recentemente  fui  acusado  de  estar  virando a cabeça de meus alunos à esquerda. Fiquei bastante irritado com isso, pois jamais fiz proselitismo de esquerda em minhas aulas. Apenas, como todo mundo, analiso as coisas pelo crivo de meus valores, de minha visão de mundo. O máximo de que posso ser acusado é de falar com paixão, o que talvez tenha lá o seu poder de influência, apesar de eu enfatizar sempre a necessidade de uma visão crítica, muito especialmente em relação às palavras. 
     Esse  episódio  soma-se  a  uma  série de outros que vem causando um sério desgaste entre mim e a instituição onde trabalho, com a qual ando bastante insatisfeito. A ideologia neoliberal tomou conta da universidade, que agora vende educação para o mercado. Os administradores são hoje as estrelas da academia e estão cada vem mais bem remunerados e mais arrogantes. E há os meus próprios defeitos: inadaptabilidade a burocracias e outras formalidades exasperantes, impaciência com reuniões enfadonhas, reações impulsivas a decisões que não passam por discussões prévias ou que não me incluem nelas, intolerância aos excessos do politicamente correto, dificuldade de me ajustar na hierarquia do departamento.
     Em  meados  do  ano  que  vem, termina meu contrato, e já estou decidido a não renová-lo. Ou terei outro emprego por aqui ou retornarei ao Brasil. 
     Às  vezes  tenho  uma  extensiva  sensação  de fracasso. Não tenho construído nada de muito sólido e duradouro, minha vida profissional vem se constituindo de pequenos ciclos e curtos projetos de alguns anos, não tenho sido nenhum modelo de bom relacionamento com as pessoas que passam pela minha vida ou que permanecem nela. E estar separado de você é mais um item nessa lista nada primorosa.
     Uma  vez  o  escritor  Francis  Scott  Fitzgerald,  que morreria esquecido e desprezado, escreveu em seu caderno de notas: "Eu falo com a autoridade do fracasso". Talvez tudo o que escrevo aqui sejam também palavras que se exprimem com a autoridade do fracasso. Isso porque minhas falhas e insucessos no mínimo têm me feito me movimentar, refletir e não aceitar um apodrecimento conveniente num trabalho, num relacionamento ou num lugar que já deu o que tinha de dar, cumprindo o seu ciclo. Teorizando assim, tudo parece muito fácil e muito prático, mas a realidade é que tenho enorme dificuldade para fechar esses ciclos. Porém isso acaba sempre acontecendo por força da própria dinâmica da vida.
     Quero  ainda  ver  como  você,  quando adulto, vai lidar com isso.

domingo, 1 de março de 2015

Dos seus bens

     Ontem  fui  assistir  a  uma  montagem  da  tragédia Antígona, com a grande atriz francesa Juliette Binoche, que, como se não bastasse o talento, ainda é muito bonita. Ao final da peça de Sófocles, saí do teatro como se estivesse andando nas nuvens, tocado por toda aquela terrível grandeza. Era como se eu já não fosse a mesma pessoa. 
     Às  vezes  penso  no  impacto  dos  bens culturais em nossas vidas. Eles sem dúvida nos ajudam a enfrentar nossos abismos e a insegurança da existência neste mundo através de nosso enriquecimento interior. Por isso gastamos no teatro um dinheiro que poderia ser utilizado na compra de mais uma roupa nova e de qualquer outro bem útil e de consumo imediato. Por isso é preciso viajar e conhecer de perto as coisas eternas que a humanidade tem criado. Por isso lhe dou sempre bons livros de presente sempre que o encontro.
     Uma  vez  ouvi  a  fala  de  um  ignorante  proclamando que para ele podiam derrubar Ouro Preto e construir lá uma cidade moderna, pois ali só tem velharia. Então eu lhe propus que também queimasse todos os retratos antigos de pessoas mortas de sua família, pois, conforme seu raciocínio, aquilo também não passava de velharia.
     Tudo  indica  que  você  será  uma  pessoa  preocupada com essas coisas, até mesmo por desde cedo estar sendo estimulado para perceber sua importância. Jamais venha a escolher sua profissão somente porque ela lhe proporcionará dinheiro e conforto pequeno-burguês. Não se preocupe em fazer carreira, escalar picos sociais e buscar reconhecimento fácil ao mesmo tempo em que se descuida de seu enriquecimento interior, de colecionar boas memórias com as pessoas que você ama, de ser capaz de enxergar este mundo para além do convencional, do massificado e até daquilo que seus mestres lhe ensinarem.