domingo, 30 de março de 2014

Um lugar para conversas e disputas


     Se a primavera não é a melhor estação por aqui, pois costuma chover bastante, é definitivamente a mais bonita. Os parques ficam muito coloridos e cheios de vida. Junto com a exuberância das flores, os pássaros, as abelhas e as borboletas retornam após um inverno que costuma ser muito longo e muito frio. E os ingleses são muito bons na arte da jardinagem.
     O parque vizinho de minha casa, em Battersea, bem na beira do rio, já está cheio de vida - humana, vegetal e animal. É um bom lugar para suas correrias e para sua curiosidade. Diante de tantas flores diferentes, você me faria muitas novas perguntas, desejando saber por que este mundo é como é. E disputaríamos várias corridas de 50m, pois você também é muito competitivo em relação a mim. E você ganharia quase todas elas, como sempre acontece. Sem falar nas lutas na grama e nas longas conversas sobre assuntos os mais aleatórios... 
     Como lugares assim nos fazem falta no Brasil! Como os poucos que possuímos estão mal cuidados e mesmo vandalizados! E como precisamos reformar profundamente nossa relação com o patrimônio público e promover um novo senso de cidadania.

terça-feira, 25 de março de 2014

Ao fim de uma aula

     Na última aula de um curso de literatura e cultura brasileira hoje, tratei de Cidade de Deus, o livro e o filme, além do livro Cidade Partida, de Zuenir Ventura. Naturalmente o tema foi a revoltante divisão de classes no Brasil, a violência, a corrupção e a precariedade da cidadania dos pobres. Essas coisas foram relacionadas às recentes manifestações de rua, com protestos em favor de uma melhor qualidade de vida nas cidades e melhores investimentos sociais por parte do governo.
     Num momento de crise econômica nos países hegemônicos da Europa e da América do Norte que abraçaram o neoliberalismo dos anos 1990, muitos olham para o Brasil como uma nova Canaã. Vários de meus alunos falam em ir viver aí após terminarem seus cursos. No entanto, apesar de algumas melhorias nos últimos dez a doze anos, sabemos que ainda temos um longo caminho a percorrer. De todo modo, tendo passado minha adolescência nos anos 1980, a "década perdida", sinto que o país realmente mudou para melhor em muitos aspectos. Me recordo, por exemplo, de meu pai frequentemente desempregado naquele período, além de sua emigração para o estrangeiro por dois anos, já nos anos 1990. 
     Desejo realmente que as previsões dos videntes da nova ordem mundial se confirmem e que possamos construir uma nação bem melhor, mais reconhecida e mais influente. E que você possa viver num tempo menos difícil que o da minha infância e adolescência, ajudando inclusive nesse processo com seu talento e sua criatividade. Mas todos sabemos que não vai ser fácil promover mudanças estruturais sem destronar os vampiros dessa elite vagabunda que temos, a qual domina os três poderes, a grande imprensa e a publicidade. De todo modo, ao menos boa parte do povo está lutando contra eles nas ruas já há algum tempo. Quando você crescer, será um orgulho vê-lo fazendo o mesmo.

domingo, 23 de março de 2014

Estes fragmentos

     Na pressa da vida moderna - que condeno -, tenho escrito eu mesmo estes fragmentos como uma voz a se manifestar no fundo de nossa separação. Gostaria de realizar algo mais denso ainda que bem-humorado, algo mais extenso que cobrisse aspectos mais amplos de nossa história ou de nossa atual "des-história". 
     Já nem sei se você me lê. Se o faz, não sei como minhas palavras repercutem sobre sua sensibilidade. Muito do que trato aqui sequer pode ser compreendido por um garoto de 9 anos, e talvez estas palavras sejam cartas para o futuro, quando você tiver mais consciência das coisas.
    Obviamente estes fragmentos poderiam ser melhores, caso eu pudesse desenvolvê-los mais e fosse melhor escritor. Porém no mínimo eles são expressão de um amor que sobreviveu intocado às infâmias às quais tive de fazer frente há alguns anos, bem como a ódios que quase me moveram a um ato de violência. Hoje, distanciado no tempo e no espaço, pude recuperar a serenidade e me livrar de alguns venenos que a vida nos inocula. 
     Sinto falta do Brasil e desejo retornar a São Paulo, mas sei que sou outra pessoa e que terei de me reajustar na volta, pois não mais caberei nos limites do que estava vivendo por aí quando parti. Muito especialmente teremos de lidar com nossa relação de pai e filho, que terá de ser recriada. E ao reconstituirmos nossa totalidade, estes fragmentos não precisarão mais ser escritos.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Mais só

     Retornei hoje para casa no meio da tarde, por não estar me sentindo muito bem, apesar de ter alguns trabalhos para realizar em meu escritório na universidade. Nos últimos tempos, estive em choque com alguns alunos e com a chefia do departamento onde trabalho. Ando intolerante à mediocridade desses jovens e também da própria instituição. A seu ver, desde que formalidade banais sejam atendidas, tudo está bem, ainda que a qualidade do ensino e do debate intelectual seja pífia. Como tenho pouco freio nas palavras, fiz uso de alguns termos mais pesados para qualificar tais alunos e também a chefia do departamento durante o conflito. Assim, acabei me tornando orgulhosamente persona non grata para uma parte de colegas e alunos. 
     Felizmente o período em que dou aulas está bem perto de terminar, indo somente até o fim da semana que vem. Esse desencanto será compensado por um tempo em que poderei me dedicar mais a minhas leituras e também à escrita. Além disso, tenho algumas boas viagens programadas para os próximos tempos. Pela primeira vez estarei no Oriente por algumas semanas. Tudo isso me anima bastante. Entrarei nesse novo período de cabeça erguida e cheio de planos.
     Quero vê-lo também distante da banalização da vida, ainda que isso represente um choque permanente com os bem ajustados, os desanimados e os desanimadores. Sartre escreveu que "o inferno são os outros". É verdade, mas o paraíso também são os outros. Por isso, aproxime-se dos desajustados, dos anticonvencionais, dos que possuem uma visão poética do mundo, dos veementes. Estes são muito mais interessantes e colocam a vida antes dos formalismos. Converse muito com eles e aprenda a ver as coisas por ângulos inusitados. Nunca pense com um grupo ou um líder qualquer nem espose juízos massificados. Como diz um personagem de Ibsen numa de suas melhores peças, "o homem mais forte do mundo é o que está mais só".

segunda-feira, 17 de março de 2014

Um intervalo

     Nesta noite fria de segunda-feira, penso em meu menino, que está seguramente desfrutando do calor úmido dos trópicos nesta época do ano. Há já algumas semanas que não conversamos, talvez em virtude de seus compromissos com a escola, de suas aulas de violão e outros afazeres. Eu mesmo estou num período de muito engajamento em atividades relacionadas ao trabalho. No entanto, nunca deixo de pensar em você, de imaginar como está e o que está fazendo, se está bem, se aguarda minha ida ao Brasil no fim de maio, para que possamos ver parte da Copa do Mundo juntos e também para que possamos jogar futebol juntos nós mesmos.
     Assim que o encontrar, daremos uma batida de peito antes do abraço e do beijo carregados da saudade arrastada ao longo destes meses todos. Que a vida nos conceda mais alguns momentos como esse e muito tempo em que não mais teremos momentos como esse, após estarmos juntos ou no mínimo bem próximos. E que esse tempo possa chegar em breve.

terça-feira, 11 de março de 2014

Com você em Paris


     Acabo de retornar de Paris, onde estive mais uma vez. É uma cidade mais bonita que Londres, cheia de excelentes museus, monumentos aos grandes homens e às grandes criações da cultura francesa, variados pontos de encontro e socialização, um urbanismo percursor do que se tornou comum nas grandes cidades contemporâneas. Tenho muitas afinidades com a cultura francesa e, se tivesse uma oportunidade, viveria em Paris. 
     Me lembro de um dia em que estive lá, no começo do ano passado. Era seu aniversário e fazia muito frio. Comprei um cartão para lhe enviar, mas, por não ter seu endereço após você ter se mudado de residência, não tinha sequer para onde enviá-lo. Não pude fazer nada além de guardá-lo até setembro, quando fui ao Brasil e o entreguei pessoalmente.
     Um dia, quando estivermos juntos ou quando você simplesmente for mais independente, quero trazê-lo a Paris. Há tantas coisas que desejo lhe mostrar lá, tantos assuntos sobre os quais poderemos conversar, tantos lugares por onde flanaremos despreocupados como fazíamos há alguns anos nas ruas bem mais modestas de Divinópolis! E gostaria de vê-lo soltando a língua em francês, o que acrescentaria em sua personalidade mais uma camada de charme. Quando possível, buscarei um curso para você em São Paulo.

terça-feira, 4 de março de 2014

Volta

     Retorno de viagem a um país distante já tendo outras jornadas internacionais programadas para os próximos tempos, inclusive uma para o Brasil pouco antes do início da Copa do Mundo. Até o fim deste mês estarei envolvido com muitas atividades relacionadas a meu trabalho, mas sei que vou pensar em você tal como o fiz quando estava na Turquia. Cheguei mesmo a lhe enviar um cartão postal de Istambul por ocasião de uma visita a torre de Galata, no centro antigo da parte ocidental da cidade.
     Tenho tido a oportunidade de ver muita coisa interessante e muitos lugares bonitos, bem como de conhecer algumas pessoas especiais. Nos últimos anos, a vida tem sido um pouco mais generosa comigo, após uma sequência de anos infaustos. Mas há nela o vazio da distância, do tempo que possamos sem nos ver, dos dias sem nenhum contato, de às vezes eu não ter ideia do que se passa com você.
     Cada vez que o vejo, na idade em que está, com as mudanças começando a se acelerar como sinal da pré-adolescência, percebo-o diferente e me surpreendo com sua altura, seu tipo físico, o formato de seu rosto, seus novos interesses. Fico triste pela vida toda que estamos perdendo, mas já não podemos fazer muito diante dos rumos que as coisas tomaram. Vivamos o presente e olhemos para frente. E sejamos felizes com a alegria de fazer aquilo de que gostamos, a felicidade de estarmos bem de saúde e a esperança de estarmos juntos em algum momento após meu retorno ao Brasil.