quinta-feira, 27 de junho de 2013

Meu verão de 2013

     De vez em quando a saudade de você bate mais forte em meu coração. Nesses momentos, meu pensamento voa até São Paulo, e me pergunto se estará bem, o que estará fazendo, como tem vivido, se tem pensado em mim.
     Aqui estamos em pleno verão, com dias de sol e calor em que as pessoas vão para as ruas (onde muitas performances de artistas ocorrem) ou para os muitos parques (onde fazem seus piqueniques sobre a grama). De minha parte, gosto de passear pela margem do rio e também de jogar futebol no belo Regent's Park, que é vizinho de onde moro. Continuo jogando bem e fazendo muitos gols. Também tenho ido com frequência ao teatro e tenho visto algumas das melhores montagens de clássicos da dramaturgia ocidental que se fazem no mundo.
     Sua imagem sempre me vem à cabeça quando vejo a cidade colorida, cheia de movimento e de coisas interessantes para fazer. Como gostaria que estivesse comigo!

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Nossos protestos

     Nas últimas semanas, está ocorrendo uma série de grandes manifestações nas ruas das grandes cidades brasileiras. As coisas não estão muito claras ainda. Milhões de pessoas protestam contra a corrupção, a insegurança, a falta de uma política efetiva de melhoria da infraestrutura do país, o aumento do custo de vida; lutam por reformas estruturais e pela melhoria de nossos sistemas de educação e saúde. São reivindicações difusas que não se sabe ainda no que resultarão.
     Curiosamente não tenho visto nenhum desdentado nessas manifestações, só garotões de aparelhos nos dentes. Onde estará o povo? O fato de esse ser um movimento dominado pela classe média, que é de um reacionarismo hediondo no Brasil, me dá todos os motivos para desconfiar dos rumos que as coisas podem tomar. O que pode parecer o despertar das pessoas para a prática da cidadania pode vir a ser canalizado politicamente para algo muito perigoso.
     Alguns acontecimentos têm me chamado a atenção. Em menos de uma semana os manifestantes passaram de vândalos e baderneiros a paladinos da democracia. A inversão súbita de opinião pode ser localizada nos ataques da polícia a jornalistas que cobriam os eventos em São Paulo. A partir de então, a opinião da grande imprensa (e a da massa que repete as bobagens dos jornalistas comerciais) mudou da água para o vinho. Por sua vez, os políticos de todos os matizes estão agora encantados com a democracia brasileira, pois todos podem ir às ruas e protestar, mas não tenho visto nenhum deles questionar as razões profundas dessa insatisfação nem falar seriamente das reformas mais que urgentes de que necessitamos (tributária, política, do Judiciário, agrária), além da urgência de se transformar a corrupção em crime hediondo, inafiançável e imprescritível, com penas correspondentes às por assassinato, no mínimo.
     O mantra das manifestações agora é “sem partido” e ganha popularidade a ideia de que todos os políticos são corruptos e ladrões. É o caso de perguntar aos mancebos de brackets nos dentes: “O que vocês propõem no lugar deles?” Não separar o joio do trigo e botar todos no mesmo saco é algo de um reacionarismo total e só beneficia a direita. Gostaria de ver essas manifestações evoluírem para reivindicações muito específicas a cada vez que essas pessoas saírem às ruas.
     Mas não acredito no chamado “poder das massas”. A massa é sempre muito burra e só serve para fazer o que o líder mandar. Por isso, espero que dessa agitação toda surja uma liderança verdadeiramente de esquerda, com capacidade para enfrentar tanto a grosseria da direita brasileira quanto a incompetência da pseudoesquerda que hoje está no poder e que, para se eleger, teve de se aliar ao que há de mais vagabundo em nossa sociedade.
     Se eu estivesse no Brasil agora, o levaria para as manifestações e ficaríamos na periferia delas, observando as coisas. Eu conversaria com você e o ajudaria a tomar consciência de nossos problemas desde cedo. Espero que meu filho se torne uma pessoa consciente da necessidade de lutar de fato por mudanças que passem por todas as reivindicações desse movimento, mas, ao mesmo tempo, que aguce o seu senso crítico e se previna contra os perigos de se tornar um homem-massa. E, muito especialmente, que jamais comungue com os valores dessa desprezível classe média de São Paulo.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Um ano

    Hoje faz um ano que comecei a lhe escrever neste espaço. O início foi algo fortuito, partindo da sugestão de uma amiga inglesa durante um café da tarde. Eu sabia que tinha muitas memórias da rica convivência que tive com você no pouco tempo em que pudemos estar juntos. Mas, no decorrer do processo, muitas histórias, muitos acontecimentos do passado, do presente e até do futuro foram se apresentando.
     Acredito no poder das palavras e penso que isto que é dito aqui - sem ser hoje lido por você - poderá ter um dia algum impacto sobre sua sensibilidade e sua razão. Terá consciência, então, de que jamais o abandonei, de que em todos os dias de meu exílio, seja no Brasil, seja no exterior, você esteve em meu pensamento, em meu coração.
    A despeito da vida inteira que nos foi roubada, da distância forçada em que sou obrigado a me manter por um mínimo de segurança e sanidade, tenho orgulho de ser seu pai e estarei para sempre junto de você.

domingo, 16 de junho de 2013

Nossos livros

    Aí está parte de minha biblioteca, que fica na casa de minha mãe, em Divinópolis. Passamos muitos momentos de felicidade lá, em ocasiões em que pudemos estar juntos. Tenho em meu telefone um vídeo com você rindo às gargalhadas com uma brincadeira que eu fazia jogando-lhe uma bolinha de papel.
     Desde que você era um bebê, lhe dou livros de presente. Me lembro de você tomando banho de banheira e brincando com seus livrinhos de plástico. Toda vez que o encontro - nas poucas vezes em que o tenho encontrado nesta etapa de nossas vidas -, lhe trago novos livros. Cheguei mesmo a publicar minha versão das Lendas e Mitos do Povo Brasileiro para você, reescrevendo histórias que lhe contava ao colocá-lo para dormir. No fim do ano passado, quando passamos um dia juntos, lhe dei versões condensadas em inglês e francês de Pinocchio e do Petit Prince, respectivamente, como um desafio para que você venha a lê-los dentro de mais algum tempo de estudos.
     Em meio ao império da televisão e dessa miserável cultura de massas, espero que os livros sejam seus permanentes companheiros ao longo da vida. Através deles, você desenvolverá muito mais sua imaginação, seu intelecto e sua sensibilidade, tornando-se uma pessoa muito mais interessante. Espero ainda poder conversar muito com você sobre alguns de nossos autores e nossos livros favoritos.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O legado da nossa miséria

    Brás Cubas, o protagonista do grande romance de Machado de Assis, termina o relato de suas lamentáveis memórias com a seguinte frase: "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria". De minha parte, tenho um filho a quem transmiti esse famigerado legado que um dia eu mesmo recebi. Mas tenho orgulho de tê-lo tido, pois o que importa é o que fazemos durante a vida com essa herança de fraquezas, incompreensão, ignorância, egoísmo e estupidez que infelizmente constitui a realidade humana. Brás Cubas apenas patinou pela vida em sua banalidade, que é também a de sua classe social. De minha parte, orgulhosamente tenho um filho que desejo ver se formar como um homem feliz e uma pessoa de bem, a despeito do sofrimento, das crises e das frustrações que também fazem parte da vida e que são uma das dimensões desse legado de que fala Brás Cubas. E que seus valores, sua filosofia e sua atitude sejam muito diferentes daqueles do personagem machadiano.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

O abutre da saudade

     Não dormi bem na noite passada. Acordei algumas vezes e sonhei bastante com você. Após vários meses distante, estou obviamente com saudade. Jamais fui saudosista; vivo e transformo a minha vida conforme a realidade do presente e os sonhos para o futuro. Mas não vejo problema em amar as coisas boas que fazem parte de minha história e da história de nossa comunidade.
     Estou bem aqui. Porém de vez em quando me assalta um sentimento mais agudo de falta: falta de você, de minha família e meus amigos, do Brasil, de Minas, de nossas coisas. Me lembro desta estrofe de Tomás Antônio Gonzaga, tratando da pungência da saudade enquanto dialoga com um mito da Grécia antiga:

     Com retorcidas unhas agarrado
     às tépidas entranhas, não me come
          Um abutre esfaimado;
     mas sinto de outro monstro a crueldade;
     devora o coração, que mal palpita,
          o abutre da saudade.

    Terei, no entanto, força e paciência. Em agosto irei ao Brasil. Haverei de encontrá-lo e de me renovar no contato com nossos ares, nosso clima e nossa humanidade.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Nossa barbárie cotidiana

     Acompanho sempre as notícias do Brasil. Entre outras coisas ruins, tem me chamado a atenção o extensivo aumento da violência. São acontecimentos bárbaros que já passaram a fazer parte do nosso cotidiano. Nossa sociedade não está sabendo lidar com isso, e a segurança pública tem sido um grande fracasso dos nossos governos.
     Vivi em São Paulo por mais de quinze anos. Felizmente nunca fui vítima da selvageria e da brutalidade de criminosos nesse tempo todo. Mas conheço pessoas que sofreram violências inexplicáveis e que agora carregam grandes traumas. Nestes últimos anos, quando o estado e a cidade de São Paulo tem sido governados por uma direita míope cuja única política de segurança pública é reprimir e matar os marginais, além de achacar os pobres de todos os tipos, a delinquência se tornou extensiva e os criminosos profissionais prosperaram.
     Tenho vivido agora numa metrópole muito mais segura que São Paulo. Tenho a liberdade de fazer aqui coisas que, por precaução, não faria nem em Divinópolis, que também se tornou um lugar perigoso a certas horas e em certas regiões de uns anos para cá.
     Com a monstruosidade cotidiana fazendo o Brasil sangrar, naturalmente me preocupo com você. Gostaria de estar a seu lado e protegê-lo da maldade que pode atingir qualquer cidadão de São Paulo a qualquer momento. Além disso, minha presença e nosso diálogo são importantes para que você jamais seja atraído para o mal, que hoje em grande parte se realiza na corrupção, na relação com as drogas, na prática de atos ilícitos em nome do ganhar sempre mais dinheiro.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Auriverde pendão

     Outro dia andava pelas ruas de Londres com dois amigos brasileiros quando, ao ver nossa bandeira, disse-lhes joco-seriamente: "Olhe ali o 'lindo pendão da esperança', o 'símbolo augusto da paz', o 'auriverde pendão da minha terra,/Que a brisa do Brasil beija e balança'". E ficamos a nos lembrar do Hino à Bandeira, que aprendemos a cantar na escola, bem como do poema de Castro Alves. Aí está o auriverde pendão. Me recordo de que tirei esta foto em São Paulo, há alguns anos, num domingo de sol em que estava com você.
     Espero que esteja aprendendo a ser um bom brasileiro, uma pessoa digna e que sabe viver a vida com prazer e alegria. Onde quer que esteja, seja para onde for que a vida o conduzir, jamais perca suas raízes, orgulhe-se das suas origens, a despeito de tanta corrupção, tanta injustiça e tanta violência que fazem parte do cotidiano de nosso país. Ele é muito mais que isso. Não pode ser julgado pelas quadrilhas de Brasília, pelos facínoras das periferias das grandes cidades nem por essa classe média miserável que possuímos. Esses monstros devem ser enfrentados dia a dia. A delicadeza do brasileiro, sua criatividade e sua paixão são coisas muito maiores.