domingo, 6 de dezembro de 2015

Palavrões



     Nesta semana lhe enviei uma carta em que, entre outras coisas, dou-lhe o conselho de não falar palavrões e evitar toda forma de vulgaridade. Talvez tenha sido a arte moderna que passou a utilizar palavras, gestos e imagens grosseiras para se contrapor ao chamado “bom gosto” e muitas vezes chocar o burguês. Mas como os limites vão sendo sempre levados mais longe, vivemos num tempo em que a vulgaridade assumiu o centro da cultura. Todavia, é óbvio que você não precisa e não deve se identificar com as tolices da nossa cultura ou do nosso tempo.
     Uma vez, quando eu devia ter seis ou sete anos, disse "bunda" perto de meu avô, patriarca de tempos antigos e de valores tradicionais. Ele ficou horrorizado e ameaçou lavar minha boca com água e sabão, dizendo que teria uma conversa muito séria com meus pais. Curioso como, pelo excesso de uso, aquela terrível palavra hoje perdeu todo o impacto e faz parte do vocabulário comum mesmo dos mais pudicos falantes de nossa língua.
     Em  meados do ano passado, levei-o para assistir a um jogo do Campeonato Brasileiro entre o Galo e o São Paulo, no Morumbi. Como não era possível ficar junto com os atleticanos, tivemos de assistir à partida entre os são-paulinos. À nossa volta havia um grupo de torcedores que urrava os mais cabeludos palavrões e fazia gestos extremamente obscenos, especialmente porque o Galo tinha mais volume de jogo e mantinha a posse de bola por mais tempo, o que os irritava. A certa altura, você me puxou a manga da camisa e disse: "Nossa, papai, esses caras não têm nenhuma educação, nunca devem ter frequentado uma escola!" E eu disse: "É verdade." Se meu avô Antônio Paulino estivesse ali, por certo levantaria as duas mão para o céu e diria: "É o fim do mundo!"
     Minha  mãe,  que  é  da  mesma  têmpera  de  seu  pai  e é uma das últimas pessoas que ainda se escandalizam no Brasil, costuma chegar em casa horrorizada quando lê palavrões pichados nos muros de Divinópolis. 
     Outro  dia,  relendo  Dom  Casmurro  para  uma  aula  de  literatura, dou de cara com o Mestre - que gostava de fazer referências à mitologia grega para esclarecer os dramas de seus personagens - utilizando um termo que se tornou modernamente um tremendo palavrão. Ele se referia à hoje conhecida como "caixa de Pandora", para não chocar pessoas como minha mãe.
     Nesta  semana,  li  nos  jornais  que  pesquisadores  de uma universidade britânica descobriram que dizer palavrões pode ajudar a aliviar a dor, mas apenas em pessoas que não xingam com frequência.
     De  minha  parte,  não  utilizo  palavrões  no  dia  a  dia. Naquilo que escrevo eles são ainda mais raros. Na maioria dos casos, acho-os simplesmente desagradáveis, capazes de transmitir uma imagem degradante de quem os pronuncia. Há algumas ocasiões, no entanto, em que não consigo resistir a dizê-los. Uma delas é no próprio futebol, quando erro um gol fácil. Outra é quando dou uma topada de cabeça ou tropeço em alguma coisa. Nessas ocasiões, eles se libertam quase automaticamente, como os males que saíram da caixa de Pandora. Mas curiosamente, ainda que eu passe o dia inteiro a falar inglês, nas ocasiões em que um palavrão não pode ser contido, ele é sempre dito em português. E realmente ele parece ter um efeito terapêutico, pois me desafoga e me acalma para as novas lutas bravas da vida. Mas o palavrão deve ser uma rara exceção em nosso modo de nos exprimir, para que não polua nossa linguagem nem transmita uma imagem muito ruim de nós mesmos. E como ele representa sempre um golpe fatal na pureza e no sublime, sempre o aconselho a evitá-lo.

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