terça-feira, 15 de dezembro de 2015

As listras de um tigre

     Estou  lendo  aqui  O  Oitavo  Dia,  excelente  romance de Thornton Wilder escrito no final dos anos 1960, cuja ação gira em torno de um suposto assassinato ocorrido numa cidadezinha no interior dos Estados Unidos. Há pouco estremeci diante de uma passagem que, numa tradução rápida, seria mais ou menos assim: "É isso a vida? As crianças que crescem são deformadas por pais que, de várias maneiras, foram eles mesmos deformados pela cegueira, a ignorância e as paixões de seus próprios pais? E os erros mesmos de uma pessoa empobrecem e mutilam seus filhos? Eis aí o interminável encadeamento das gerações."
     Trata-se  de  uma  reflexão  perturbadora.  Sei  que  o próprio Wilder for "deformado" por um pai exigente e muito controlador. No meu caso, por mais que procure me diferenciar de meu próprio pai, de quem sou um crítico feroz e às vezes até injusto, muitas vezes me pego repetindo sua cegueira, sua ignorância e suas paixões. E talvez hoje eu esteja inconscientemente empobrecendo meu próprio filho e mutilando-o com minhas exigências e meu destempero. Embora ache que lhe dou espaço para ser você mesmo, viver sua infância e fazer suas escolhas, até mesmo pela distância em que estou, sei que minha personalidade forte e meu temperamento impulsivo, meu tom de voz incisivo e minha tendência a tomar a frente em tudo o que faço podem estar bloqueando algum campo de ação ou de desenvolvimento de sua personalidade. Mas como poderia ser diferente? Não se pode mudar as listras de um tigre.

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