terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Escalafobético

     Está no dicionário:

     escalafobético:  aquele  que  se  comporta  de  maneira excêntrica, esquisita, extravagante; que demonstra falta de jeito, de aprumo, de elegância; desengonçado, desconjuntado, maljeitoso.

     Pensei  hoje  na  estranha  palavra  ao  receber  uma mensagem de meu amigo Doc, propondo um almoço comigo para janeiro, quando eu estiver em São Paulo. Gosto de encontrá-lo, pois ele é sempre surpreendente e divertido. Lembro-me de uma vez em que Doc, depois de passar muitos dias quebrando a cabeça em contas escalafobéticas, surgiu brandindo um grosso caderno e dizendo, exaltado, que havia conseguido provar matematicamente a existência de Deus e que se tornaria famoso por isso. 
     Pedi  então  para  analisar  seu  revolucionário  modelo matemático. Abri o caderno com sua infindável sequência de fórmulas e números, não entendendo bulhufas do que estava rabiscado ali. Mas dei o veredito definitivo, falando com seriedade: "Doc, infelizmente preciso lhe dizer que há uma falha no seu modelo". Com olhar incrédulo, ele exclamou: "Não é possível!" E pegou o caderno de volta, levando-o para casa, a fim de rever sua aritmética divina.
     Uma  semana  depois,  Doc  bate  à  minha  porta. Quando abro, ele me abraça, emocionado, e me agradece efusivamente, pois eu havia evitado que ele se expusesse ao ridículo perante o mundo. Afinal, havia de fato uma falha em suas contas, que precisariam ser refeitas.
     Os  anos  correram,  e  ele  nunca  mais  falou  em  seu modelo matemático que provaria a existência de Deus, embora tenha passado uma outra fase tentando criar o moto-contínuo, o que os maiores cientistas da história afirmaram ser impossível. Mas isso não impediu nosso moderno alquimista de dedicar-se por algum anos à realização da máquina de movimento perpétuo que se movimentaria para sempre com a energia gerada por seu próprio movimento.
     Com  toda  a  sua  maluquice,  Doc  é  uma  das  pessoas mais inteligentes, mais honestas e mais generosas que já encontrei por este mundo. E a história mostra que são indivíduos como ele que costumam criar algo realmente grandioso, inovador e duradouro. Ele me faz lembrar estes versos de Walt Whitman, na tradução de Geir Campos:

     Que passe para trás quem se achava na frente,
     que passe para a frente quem estava atrás,
     que os doidos, apaixonados, sujeitos mal-comportados,
     encaminhem novas proposições,
     que sejam postas de lado as proposições antigas,
     que um homem busque o prazer em toda parte
     exceto nele próprio,
     que uma mulher busque a felicidade
     em toda parte, exceto nela própria.

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