Está no dicionário:
escalafobético: aquele que se comporta de maneira excêntrica, esquisita, extravagante; que demonstra falta de jeito, de aprumo, de elegância; desengonçado, desconjuntado, maljeitoso.
Pensei hoje na estranha palavra ao receber uma mensagem de meu amigo Doc, propondo um almoço comigo para janeiro, quando eu estiver em São Paulo. Gosto de encontrá-lo, pois ele é sempre surpreendente e divertido. Lembro-me de uma vez em que Doc, depois de passar muitos dias quebrando a cabeça em contas escalafobéticas, surgiu brandindo um grosso caderno e dizendo, exaltado, que havia conseguido provar matematicamente a existência de Deus e que se tornaria famoso por isso.
Pedi então para analisar seu revolucionário modelo matemático. Abri o caderno com sua infindável sequência de fórmulas e números, não entendendo bulhufas do que estava rabiscado ali. Mas dei o veredito definitivo, falando com seriedade: "Doc, infelizmente preciso lhe dizer que há uma falha no seu modelo". Com olhar incrédulo, ele exclamou: "Não é possível!" E pegou o caderno de volta, levando-o para casa, a fim de rever sua aritmética divina.
Uma semana depois, Doc bate à minha porta. Quando abro, ele me abraça, emocionado, e me agradece efusivamente, pois eu havia evitado que ele se expusesse ao ridículo perante o mundo. Afinal, havia de fato uma falha em suas contas, que precisariam ser refeitas.
Os anos correram, e ele nunca mais falou em seu modelo matemático que provaria a existência de Deus, embora tenha passado uma outra fase tentando criar o moto-contínuo, o que os maiores cientistas da história afirmaram ser impossível. Mas isso não impediu nosso moderno alquimista de dedicar-se por algum anos à realização da máquina de movimento perpétuo que se movimentaria para sempre com a energia gerada por seu próprio movimento.
Com toda a sua maluquice, Doc é uma das pessoas mais inteligentes, mais honestas e mais generosas que já encontrei por este mundo. E a história mostra que são indivíduos como ele que costumam criar algo realmente grandioso, inovador e duradouro. Ele me faz lembrar estes versos de Walt Whitman, na tradução de Geir Campos:
Que passe para trás quem se achava na frente,
que passe para a frente quem estava atrás,
que os doidos, apaixonados, sujeitos mal-comportados,
encaminhem novas proposições,
que sejam postas de lado as proposições antigas,
que um homem busque o prazer em toda parte
exceto nele próprio,
que uma mulher busque a felicidade
em toda parte, exceto nela própria.
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