terça-feira, 27 de outubro de 2015

Memórias do fim do amor


     Estou  hoje  na  cidade  de  Zagreb. Depois de resolver um compromisso acadêmico, saí a perambular pela cidade alta, que é a parte mais antiga da capital da Croácia. De repente, um tanto por acaso, minha atenção foi fisgada por uma placa: "Museum of Broken Relationships". Após ir ver do que se tratava, fui muito bem surpreendido por esse insólito Museu das Relações Terminadas.
     Tenho  visto  museus  sobre  quase  tudo  por  este mundo afora, mas nunca havia imaginado que um museu assim existisse, pois, no fim de relações amorosas, só se pensa em - ou só se deseja - esquecer. Além do mais, praticamente todos os museus do mundo são muito triunfalistas, dedicando-se à memória de homens e coisas bem-sucedidas, exaltando as mais belas realizações da arte, da cultura ou da história de uma civilização. O Museu das Relações Terminadas, porém, guarda a memória do fracasso, exibindo resíduos de amores mortos. Os objetos ali expostos são testemunhos da clássica antologia de sentimentos que assolam os amantes quando acaba uma relação em que investiram o melhor de si: melancolia, raiva, dor, desejo de vingança, senso de inadequação e perda de seus mais básicos referenciais.
     Numa  das  galerias,  há  um  machado  utilizado  por  um alemão de Berlim cuja companheira o trocou por outro homem. Com essa ferramenta, ele retornou à casa que partilharam e destruiu todos os móveis, para que o entulho produzido se parecesse com seu estado de espírito. Num outro canto, há um ursinho de pelúcia com um coraçãozinho no peito, onde se lê um convencional "Eu te amo". No entanto, logo ao lado há outra inscrição: "Que mentira! Mentiras, malditas mentiras!". Numa outra sala, há um anão de jardim partido e com o rosto bastante danificado após ter sido lançado por uma eslovena contra o para-brisas do carro novo do ex-marido no dia de seu divórcio. Já uma canadense doou ao museu duas bonequinhas de porcelana que representam as únicas coisas boas que permaneceram após o fim de seu casamento: as duas filhas. E as outras peças ali expostas, doadas por pessoas que vivenciaram relações mal-sucedidas, seguem nessa toada. Qualquer pessoa que tenha um objeto que sintetize um amor fracassado, pode doá-lo para o museu. E quem desejar também pode contar sua história e desabafar sua dor de cotovelo ali. Eu mesmo tenho objetos e histórias que poderiam perfeitamente fazer parte daquela coleção. E a frase de meu amigo Doc poderia estar escrita naquelas paredes: "Amar é um saco!".
     Fiquei  fascinado  com  um  museu  assim  num  tempo como o nosso, que cultua tanto o sucesso, a vitória, a superação de limites e a felicidade obrigatória. A tragicomédia do amor exposta pelo Museu das Relações Terminadas, para além de seu efeito catártico, lembra-nos que o fracasso, o sofrimento e a perda são parte intrínseca da vida de todos nós. E estimula uma importantíssima reflexão sobre a fragilidade dos laços humanos.
     Andando pelas galerias do museu, lembrei-me do filme As Canções, um documentário de Eduardo Coutinho em que ele registra depoimentos de pessoas comuns sobre suas perdas amorosas, associando-as sempre a canções que marcaram suas histórias, que são cantadas por elas ao fim de cada relato. E também me lembrei do poeta Ovídio, que há mais de 2.000 anos já havia escrito o brilhante Os Remédios do Amor, em que dá conselhos sobre como se restabelecer do luto amoroso e seguir a vida. É a única alternativa que resta.
     Um  homem  da  minha  idade  naturalmente  já enfrentou a questão do fracasso de relacionamentos, como testemunha a própria situação em que vivemos como pai e filho. Mas a sensação com que saí do museu foi mais leve do que a daqueles que tiveram de quebrar coisas como terapia para poderem seguir adiante. Há um momento, quando o relacionamento não frutifica mais, em que temos de simplesmente deixar o outro partir e cuidar de nós mesmos, pois mais doloroso que isso seja. Não conseguiremos jamais mudar as outras pessoas. Espero que você possa pensar nisso quando, dentro de mais alguns anos, se vir diante de um relacionamento que acaba e tiver de partir. Só não sei lhe dizer exatamente o que fazer, pois, na minha impulsividade, não tenho sido eu mesmo nenhum modelo sobre como agir.

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