quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Ruídos

     Em  seu  livro  Parerga  e  Paralipomena,  Schopenhauer escreve todo um capítulo sobre os ruídos. Segundo o filósofo alemão, o ouvido possui uma natureza passiva, recebendo, na maioria das vezes, sons que não escolhemos e que não queremos ouvir. Estes, para ele, eram profundamente irritantes. Contudo, sendo um homem muito sensível à música, considerava que ela é capaz de provocar um efeito tão imediato, inefável e penetrante em nosso espírito que chega a resultar inclusive na elevação de nosso ânimo. Assim, essa forma de arte seria, para ele, superior às outras, pois, enquanto estas apenas reproduzem sombras, a música daria expressão a essências.
     No  entanto,  a  condição  passiva  do  ouvido  possuiria também um lado muito negativo. A seu ver, isso ocorreria, por exemplo, quando nossa capacidade de pensar está em ação e sofre uma interrupção por parte de um som inesperado. Isso causaria um enorme transtorno, já que todo o encadeamento de nossas ideias seria rompido pelo ruído intruso e impertinente, e nosso pensamento ficaria paralisado. Schopenhauer abominava tanto esses barulhos que chegou a escrever que "a quantidade de ruído que uma pessoa é capaz de suportar sem se incomodar é inversamente proporcional a sua capacidade intelectual e pode ser considerada como uma medida aproximada de suas faculdades mentais".
     Me  lembrei  desse  texto  hoje,  no  fim  da tarde, quando me exercitava correndo pelas margens do rio Tâmisa e passava junto a um heliporto que fica em Battersea, o bairro onde moro. De imediato devo dizer que detesto helicópteros justamente pelo ruído insuportável que emitem. Chego a evitar passar por perto daquele heliporto em alguns horários de mais movimento de pousos e decolagens. Me recordo também de que em São Paulo, morando no Butantã, nas proximidades da Marginal Pinheiros, o barulho dos helicópteros de emissoras de rádio e televisão, especialmente no início da manhã e no fim da tarde, era realmente uma tortura. E o excesso de ruído emitido por todo lado na cidade talvez explicasse porque eu costumava me sentir frequentemente exasperado na Pauliceia.
     Nunca  tolerei,  desde  a  adolescência, os clubes noturnos onde a juventude se reúne para ter seus ouvidos estuprados, geralmente por uma música de péssima qualidade. Nesses lugares, não se pode sequer conversar, pois ninguém ouve ninguém e há de se gritar muito alto para tentar se fazer ouvir. Certamente Schopenhauer tem razão quanto à capacidade intelectual dos que não se incomodam nessa situação infernal.
     Neste  momento  mesmo,  enquanto  escrevo, o fluxo de meus pensamentos é interrompido por explosões de fogos de artifício na minha vizinhança, não sei a propósito de quê. Há já umas três horas que tais ruídos assediam esta região a cada cinco minutos. Haja paciência!
     Sei  que  você  é  um  menino  calmo  e  educado,  muito ligado à leitura e à música, possuindo boa familiaridade com o violão. Espero que continue nessa trilha e que o silêncio, as lentas mas profundas conquistas, a capacidade de concentração sejam qualidades que venha a cultivar por toda a vida.

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