quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Da gagueira

     Hoje  um  aluno  do  King's  College  bateu  à  porta  de meu escritório e pediu para conversar comigo sobre o que deve fazer para conseguir realizar estudos de pós-graduação no Brasil. Logo no início da conversa, percebi que ele era gago. Aí está uma coisa curiosa: moro há três anos na Inglaterra, morei quase dois anos nos Estados Unidos e nunca tinha visto um gago falando inglês.     
     Para  Eugene  O'Neill,  deixamos  sempre  tantas coisas por dizer às pessoas próximas de nós que a gagueira acaba por se tornar nossa "eloquência nativa" num mundo em que vemos tudo como se estivéssemos envoltos por uma grossa neblina. Nelson Rodrigues, cujo pai era gago, diz em suas memórias que cresceu com a ideia de que os gagos é que estão certos, e os bem-articulados, errados. Já Noel Rosa escreveu um famoso samba sobre um gago apaixonado tentando expressar sua dor de cotovelo após ser abandonado, terminando seu trôpego desabafo com uma maldição à mulher antes querida. Aristóteles e Machado de Assis eram gagos...
     Não  sei  por  que  entrei  hoje  no  tema da gagueira. Talvez porque, como O'Neill, eu tenha pensado em tantas coisas não ditas entre nós, em virtude da separação e da distância. Talvez porque estes fragmentos não passem de um gaguejar em meio à névoa que nos encobre neste mundo tão louco, tão injusto e muitas vezes tão imprevisível, tão difícil de ser expresso na linguagem humana, que é tão precária e tão incapaz de capturá-lo.

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