segunda-feira, 21 de março de 2016

Tempo inexorável


     Há,  na  National  Gallery,  uma  pintura  alegórica  de Pompeo Girolamo Batoni, de meados do século XVIII, que sempre me impressiona quando paro diante dela por algum tempo. Tem como título "O Tempo ordena à Velhice que destrua a Beleza". Tempo, Velhice e Beleza estão ali personificados. O Tempo é uma figura alada de homem já bastante maduro, como a sugerir que o ritmo da vida voa e tudo se perde muito rapidamente. Com a mão direita, ele segura uma ampulheta em cujo interior mais da metade da areia já caiu para a área inferior. Em posição de comando, ele aponta o indicador da mão esquerda para a Beleza, representada por uma mulher jovem, saudável e elegantemente vestida, mandando que a Velhice, representada por uma mulher encarquilhada, curvada e decrépita, arruíne a graça e o frescor da Beleza. A Velhice, trajando roupas surradas e remendadas, segura um rústico bastão na mão esquerda e leva a mão direita espalmada em direção ao rosto da Beleza, que esquiva-se com um olhar assustado e melancólico diante do inelutável. Tudo se passa dentro de uma caverna, como a reverberar o mito contado por Platão para enfatizar que os homens vivem nas trevas, possuindo um conhecimento muito vago e muito precário da existência.
     Lembrei-me  desse  quadro  ao  pensar  na  passagem  do nosso próprio tempo. Como ele passa rapidamente na distância! De repente o meu menino - que ontem mesmo, quando bebê, eu carregava no colo, a quem alimentava, de quem trocava fraldas e em quem dava banhos, para quem mais tarde contava a história dos Três Porquinhos todas as noites, antes de dormir - floresceu como um rapazinho pleno de beleza e vitalidade. Sempre que o vejo depois de muitos meses sem reencontrá-lo, surpreendo-me com sua altura, o formato de suas mãos, sua velocidade em nossas disputas de corridas.
     De  minha  parte,  obviamente  sinto  ainda  mais  que você os efeitos do tempo. Linhas mais fundas já marcam meu rosto, cabelos brancos se espalham por minha cabeça, minha velocidade diminui e amplia-se uma visão mais desencantada dos homens. Mas o tempo não me trouxe apenas destruição. Sinceramente gosto mais do que sou hoje do que do que era aos 20 anos, se é que se pode separar-me em dois. E o tempo por si só curou feridas e frustrações, ensinando-me a amar a vida pelo que ela é, não pelo que deveria ser. E o fato de ele um dia vir a me retirar de cena me proporciona um sentido e um ânimo de fazer alguma coisa diferente, principalmente de cultivar alguns valores essenciais e estar bem com quem estiver comigo.

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