domingo, 19 de outubro de 2014

Necrópole


     Não muito longe de minha casa, do outro lado do rio, fica o Cemitério de Brompton, que também funciona como uma espécie de parque, pois as pessoas também vão lá para correr, andar de bicicleta, ler ou simplesmente passar o tempo. Os esquilos e pássaros que vivem entre às árvores e os túmulos adicionam vida a esse local dedicado aos mortos.
     Passei por lá nesta tarde e neste domingo de outono. Andei por algumas ruas e li vários epitáfios. A julgar por eles, todos ali enterrados foram uns anjos em vida. Nenhum canalha, nenhum egoísta, nenhum mentiroso, explorador dos outros, ladrão, tirano ou simplesmente chato, tal como abundam no mundo dos vivos.
     Ao passar perto da capela onde se velam os mortos, vi algo muito estranho para nossos padrões culturais. Num carro fúnebre, rodeado pelos parentes e amigos do morto, havia um caixão fechado, muito colorido e totalmente estampado com uma profusão de pequenas flores. Achei-o um tanto kitsch e nada funéreo. 
     Passeando pela iconografia convencional daquela cidade dos mortos, com seus crucifixos, anjos, uma ou outra estrela de Davi, mãos que apontam para o céu, fiés prostrados aos pés de santos, pensei na vida, com seus descaminhos. Há vários anos estou longe de você, sendo que há três estou vivendo longe do Brasil. Às vezes sinto que tenho perdido muito e que nada das coisas boas que estou vivendo aqui valem a pena de fato. Outras vezes penso que foi saudável e renovador me distanciar dos problemas que tinha de enfrentar em São Paulo para simplesmente poder ser seu pai e tê-lo a meu lado. 
   Hoje a vida vai passando, e você está crescendo. Costumamos nos encontrar duas vezes por ano, não por muito tempo. A morte é uma permanente perspectiva para todos nós, e nosso tempo se conta regressivamente. Ao pensar nisso, fico triste, mas ao mesmo tempo tenho de aceitar aquilo que não posso mudar. Porém, desejo ao menos que nossos curtos momentos juntos sejam eternos, que nossos precários contatos a distância sejam felizes, que a vida que nos for possível viver juntos seja densa.

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