quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Bárbaros excluídos e bárbaros excludentes

     Conversamos brevemente ontem pela internet, e você me contou que teve de abandonar sua escolinha de futebol porque nela estão ocorrendo arrastões por parte de criminosos que vivem nas redondezas. Apesar de estar muito consciente do gritante fracasso da segurança pública no Brasil, em todos os níveis de governo, minha reação foi de perplexidade. Como pai vivendo não apenas separado de você mas também num outro canto do mundo, fico muito preocupado, pois não tenho muitas condições de protegê-lo dos perigos de uma cidade como São Paulo.
    Os ataques desses bárbaros não surpreendem, no entanto. Fazem naturalmente parte de um sistema segregador e excludente que foi sendo construído por nossas elites econômicas e que hoje é imitado pelas classes médias, de onde saem seus ideólogos, hoje estrelas do jornalismo, da publicidade e até da universidade. Não tenho dúvida de que este extrato arrumadinho de nossa sociedade é ainda mais bárbaro que o daqueles outsiders que fazem arrastões nas praças de esporte da zona sudoeste da Pauliceia.
     Essa polarização da nossa sociedade, que criou duas bem definidas categorias de cidadãos que nunca se comunicam e que manifestam sentimentos de estranhamento, desconfiança e medo quando se encontram, só poderia ter resultado nessa degradação do espaço público, no refúgio dos bem-postos na fortaleza e no isolamento de seus apartamentos, na ira dos excluídos, dos indesejáveis, dos desconectados. 
      Fui menino no interior de Minas no anos 1970 e tenho tido a oportunidade de viajar por muitos lugares neste mundo. Gostaria de lhe dizer que as coisas não foram sempre assim, nem são sempre assim em todos os lugares, apesar de certo sistema mundial que tende a ampliar as desigualdades entre ricos e pobres por todo lado. Por isso, esteja sempre aberto à alteridade e considere cada pessoa, por mais diferente que ela seja de você, como um ser humano que deve, por simples imperativo ético, ser tratado com dignidade e respeito. Encontre gente diferente daquelas que pertencem aos grupos sociais de que você faz parte e dialogue com elas. Não aceite a injustiça e a exclusão de ninguém, lute contra elas onde quer que venha a atuar. Somente assim poderemos um dia restaurar condições mínimas de civilização.

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