domingo, 26 de outubro de 2014

Do ateísmo à brasileira

     Há dias eu lhe escrevia aqui sobre os perigos da religião e invertia uma famosa frase atribuída a Dostoiévski, propugnando que se Deus existe, tudo é permitido. Lembrei disso ao abrir há pouco minha carteira e me deparar com uma oração de São Miguel, uma estampa de Santa Luzia e outra de Santo Expedito, além de uma medalhinha de Nossa Senhora e outra com o rosto de Cristo, tudo obra de minha mãe. Se essas coisas realmente nos protegem, definitivamente posso ficar tranquilo. Nenhum mal me atingirá. 
     Não tenho fé e estou certo de que, se Deus existe, trata-se no mínimo um omisso. Ou de um criador que nos abandonou completamente à própria sorte e à mercê dos tiranos e aproveitadores deste mundo. No entanto, essas figuras sagradas de um catolicismo popular e folk que habitam minha carteira são algo muito brasileiro que me conecta com minha origem, com minha cultura e com a gente pobre mas digna de que descendo e à qual estarei eternamente ligado. Portanto carrego-as comigo por elas possuírem esse significado profundo. Do mesmo modo, sinto-me bem quando, vivendo sozinho do outro lado do Atlântico, minha mãe me conta ao telefone que está rezando por mim. Aquilo realmente me protege e me engrandece, porém muito mais pela força de meu vínculo com minha mãe que pelos poderes das orações e dos santos que ela evoca.
    Escrevendo isso, me recordo agora de um poema de Drummond em que ele diz algo mais ou menos assim: "Os ateus brasileiros levam sempre uma santinha no bolso/ Nossos comunas, quando morrem, a família reza a missa de sétimo dia e de trigésimo". É verdade, e isso revela mais uma vez nossa flexibilidade e nossa abertura de espírito.

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