Nas últimas semanas, está ocorrendo uma série de grandes
manifestações nas ruas das grandes cidades brasileiras. As coisas não estão
muito claras ainda. Milhões de pessoas protestam contra a corrupção, a
insegurança, a falta de uma política efetiva de melhoria da infraestrutura do
país, o aumento do custo de vida; lutam por reformas estruturais e pela
melhoria de nossos sistemas de educação e saúde. São reivindicações difusas que
não se sabe ainda no que resultarão.
Curiosamente não tenho visto nenhum
desdentado nessas manifestações, só garotões de aparelhos nos dentes. Onde
estará o povo? O fato de esse ser um movimento dominado pela classe média, que
é de um reacionarismo hediondo no Brasil, me dá todos os motivos para
desconfiar dos rumos que as coisas podem tomar. O que pode parecer o despertar
das pessoas para a prática da cidadania pode vir a ser canalizado politicamente
para algo muito perigoso.
Alguns acontecimentos têm me chamado a
atenção. Em menos de uma semana os manifestantes passaram de vândalos e
baderneiros a paladinos da democracia. A inversão súbita de opinião pode ser
localizada nos ataques da polícia a jornalistas que cobriam os
eventos em São Paulo. A partir de então, a opinião da grande imprensa (e a da
massa que repete as bobagens dos jornalistas comerciais) mudou da água para o
vinho. Por sua vez, os políticos de todos os matizes estão agora encantados com
a democracia brasileira, pois todos podem ir às ruas e protestar, mas não tenho
visto nenhum deles questionar as razões profundas dessa insatisfação nem falar
seriamente das reformas mais que urgentes de que necessitamos (tributária, política,
do Judiciário, agrária), além da urgência de se transformar a corrupção em
crime hediondo, inafiançável e imprescritível, com penas correspondentes às por
assassinato, no mínimo.
O mantra das manifestações agora é “sem
partido” e ganha popularidade a ideia de que todos os políticos são corruptos e
ladrões. É o caso de perguntar aos mancebos de brackets
nos dentes: “O que vocês propõem no lugar deles?” Não separar o joio do
trigo e botar todos no mesmo saco é algo de um reacionarismo total e só
beneficia a direita. Gostaria de ver essas manifestações evoluírem para
reivindicações muito específicas a cada vez que essas pessoas saírem às ruas.
Mas não acredito no chamado “poder das massas”. A massa é sempre muito
burra e só serve para fazer o que o líder mandar. Por isso, espero que dessa
agitação toda surja uma liderança verdadeiramente de esquerda, com capacidade
para enfrentar tanto a grosseria da direita brasileira quanto a incompetência
da pseudoesquerda que hoje está no poder e que, para se eleger, teve de se
aliar ao que há de mais vagabundo em nossa sociedade.
Se eu estivesse no Brasil agora, o levaria para as manifestações e
ficaríamos na periferia delas, observando as coisas. Eu conversaria com você e o ajudaria a tomar consciência de nossos problemas desde cedo. Espero que meu filho se torne uma pessoa consciente da necessidade de lutar de fato por mudanças que passem por
todas as reivindicações desse movimento, mas, ao mesmo tempo, que aguce o seu
senso crítico e se previna contra os perigos de se tornar um homem-massa. E,
muito especialmente, que jamais comungue com os valores dessa desprezível
classe média de São Paulo.
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