sexta-feira, 29 de março de 2013

Um debate na televisão

     Na semana passada participei de um debate sobre o amor num programa da televisão inglesa. Éramos eu, que venho da literatura, um professor de filosofia e uma psicóloga. Um apresentador conduzia a discussão, e havia umas trinta pessoas presentes num pequeno auditório no estúdio. Como consequência desse programa, acabei adquirindo uma incômoda popularidade em certos círculos de Londres.
    Qual a razão dessa popularidade? É que, durante o debate, assumi uma postura provocadora e passei a exprimir ideias que foram consideradas um tanto exóticas pelos telespectadores britânicos. Entre outras coisas, num deliberado exagero, fiz apologia da burrice como necessária aos amorosos, relegando a inteligência aos guetos da academia, dos debates políticos, da arte de vanguarda, dos fãs de James Joyce. No amor, quanto menos presunção, quanto menos racionalização, melhor. Citei até Alberto Caeiro:

     Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
     E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
   
   Quando a discussão se encaminhou para o tema dos desassossegos do amor, citei também uma frase de meu amigo Doc, filósofo da Vila Mariana, que em seu prosaísmo costuma dizer: "Amar é um saco!"
   Mas o fato é que, com uma ironia que às vezes descambava para o franco sarcasmo, ataquei a visão idealizada e romântica do amor e bem-humoradamente desloquei-o para fora do centro de nossas vidas. E lembrei o conselho do poeta William Butler Yeats: "Never give all the heart".
     No fim das contas, acredito que não foram minhas ideias que provocaram algum rebuliço já durante o debate, envolvendo os debatedores, o auditório e os espectadores. Afinal, as coisas que eu disse já foram faladas ou escritas por muitos outros antes de mim. Certamente foi a forma como as disse que provocou as reações mais disparatadas. Alguns me consideraram de esquerda, outros de direita; para uns sou um defensor das mulheres, para outros sou um machista; para uns sou moderno, para outros antiquado... Houve quem telefonasse para o estúdio para dizer que minha fala os empolgou e houve quem telefonou para dizer que sou um maluco. A proprietária da casa onde moro disse que sou um atrevido (não sei se me elogiando ou me repreendendo). Sinceramente, é preciso ter muita paciência com o público.
     Nos dias seguintes a essa participação no programa de tv, especialmente na universidade onde trabalho, algumas pessoas comentavam o debate e me apontavam pelos corredores. Ainda bem que essa popularidade superficial de televisão vai passar logo. Em poucos dias, outro assunto assumirá o primeiro plano das conversas fiadas nos lugares que frequento.
     No fim do ano passado, quando passamos o dia juntos, perguntei-lhe jocosamente, enquanto almoçávamos, se você gostava de alguma menina na escola. Com uma inocente seriedade, meu menino me contou que não. Então lhe perguntei se alguma menina gostava de você. A resposta foi que sim, mas que ela é feia demais e que não sairá coelho desse mato.
     Dentro de mais uns dez anos você entrará na vida adulta como um belo latagão. E disseminará paixões em muitos corações femininos. E também se apaixonará. Por essa época, espero estar lá, para também lhe dizer, com Yeats: "Never give all the heart".

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