sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Ser alguém

      Há  vários  anos  fui  muito  marcado  pela  leitura  do romance O Falecido Mattia Pascal, de Luigi Pirandello, que trata de um tema pelo qual o escritor italiano tinha obsessão: a construção da identidade e a necessidade que temos de representar papéis sociais. Depois de haver sido declarado morto por engano, o protagonista do livro resolve aproveitar-se da situação para fugir de uma vida medíocre e opressiva, mudando sua aparência, assumindo outra identidade e partindo para uma perambulação de cidade em cidade. De início ele desfruta de enorme liberdade, desprendido de compromissos e obrigações. Porém, depois de certo tempo, sobrevém a necessidade de se relacionar com as pessoas e fazer algo significativo. Chega a estabelecer-se em Roma, a se apaixonar por uma mulher da cidade e viver com ela uma história de amor, mas, por não poder contar-lhe a verdade, decide forjar uma segunda morte e voltar a sua cidade natal como o falecido Mattia Pascal, para desfazer-se da farsa em que vinha vivendo fazia vários anos. A essa altura, porém, tudo havia mudado também em seu local de origem, e Mattia perde tudo o que tinha: a primeira mulher, seu meio de vida, todas as referências que compunham sua humanidade. Até que ele termina não sendo ninguém.
     Neste  momento  de  transição  para  uma  vida  nova  no Brasil - que nunca abandonei e nunca deixei de amar -, lembro-me da história de Pirandello. No decorrer da vida, tenho me mudado muitas vezes de cidade, de país, de relacionamentos que se pretendiam duradouros. Nessas ocasiões, tenho tido de assumir novos papéis sociais e novas identidades, mas sem renunciar a minhas raízes. Sou um brasileiro aberto ao mundo e um menino do interior de Minas. Entretanto, como as obras de Pirandello demonstram o tempo todo, nossa identidade vem à tona a partir do que fazemos e das relações que desenvolvemos com os outros. Por isso retornarei para você, para meus amigos, para o café da tarde na companhia de minha mãe, para minha biblioteca, para meu trabalho como professor e pesquisador, para o futebol de sábado na USP. E voltarei enriquecido pelas experiências destes últimos cinco anos fora do país. Tudo isso me faz ser alguém, e ser alguém significa simplesmente ter importância para você e para as pessoas queridas, além de poder fazer algo minimamente significativo. Nisso se resume minha expectativa em relação à vida nova que terei no Brasil.

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