sábado, 6 de agosto de 2016

Visitando cães e gatos


     No  bairro  onde  moro  fica  o  Battersea  Dogs  and  Cats Home, que foi fundado em 1860 e que desde então resgata cães e gatos perdidos, abandonados ou maltratados. Lá eles recebem abrigo, comida e cuidados veterinários, além de todo um trabalho de ressocialização com as pessoas e outros animais, pois vários carregam traumas decorrentes do que viveram em casas e ruas de Londres. Estão ali temporariamente, até que encontrem um dono responsável e um lar definitivo.
     Nestes  vários  anos  morando  em  Battersea,  sempre passei pelo portão da instituição, mas nunca havia entrado. Hoje foi o dia. Passeei por entre cachorros e gatos de quase todas as raças e brinquei com alguns deles, que, em sua carência, parecem implorar para que sejam adotados e ganhem um lar, carinho e uma identidade. 
     Não  sei  por  que  crianças  e  cachorros  quase sempre se identificam comigo e gostam de mim à primeira vista. Vários cães hoje saltaram sobre mim, lamberam-me, puxaram-me o canto da roupa, para que eu lhes desse atenção, correram para buscar bolas de tênis que joguei ao longe. Esta foto registra um dos olhares de tristeza que recebi no momento da despedida.
     Outro  dia  eu  escrevia  aqui  sobre  Pérola  e  a  saudade que estou sentindo dela. Se tivesse a perspectiva de permanecer nesta vida distante do Brasil, por certo teria um cão por aqui também, ainda mais com tantos parques, lagos e áreas verdes para brincarmos.
     O  filósofo  franco-lituano  Emmanuel  Levinas,  que  foi prisioneiro num campo de concentração nazista durante a Segunda Guerra Mundial, conta num texto autobiográfico que, após algum tempo, ele e seus colegas acabaram por se acostumar ao tratamento desumano que recebiam diariamente. Porém todas as noites, quando, passando por caminhos com cercas elétricas e arame farpado, retornavam exaustos para os galpões onde dormiam, seu grupo de trabalho forçado era recebido por um cachorro vira-lata que de algum modo havia entrado naquele lugar infernal e ali ficara. Quando via os prisioneiros chegando, o animal latia e fazia-lhes grande festa, como é usual entre os cachorros. Eram os olhos de adoração daquele vira-lata que os faziam se lembrar do significado do reconhecimento por parte de outro ser vivo. Aquele reconhecimento fundamental lembrava-lhes, ao fim de cada jornada, que eles eram seres humanos e não simplesmente coisas a serem usadas até o desgaste e a destruição.
     De  certo  modo,  fui  hoje  fazer,  para  os  cachorros  e gatos do Battersea Dogs and Cats Home, um pouquinho do que o cão de Levinas e seus colegas fez por eles, levando-lhes reconhecimento e respeito.

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