quarta-feira, 27 de julho de 2016

Não há adultos

     Acordei  hoje  com  um  espírito  de  brincadeira  e naturalmente pensei no meu menino, que se encontra tão longe de mim. Estou disponível para guerra de travesseiro, lutas na cama, disputas de corridas, andar na chuva, esconde-esconde, cabra-cega, adivinhações, soltar papagaio, soprar dente-de-leão, fazer bolhas de sabão, assustar cachorro... Desejo que em breve tudo isso, que por agora ficará apenas na vontade, possa realizar-se em sua companhia. A despeito de todas as violências da vida, ou por causa delas mesmo, não perdi o espírito de criança, que refloresceu depois de ter tido meu filho.
     Está  aqui,  sobre  a  mesa,  o  livro  La  Vie  Humaine, do filósofo contemporâneo francês André Comte-Sponville. Ontem à noite estava lendo nele uma passagem que tem muito a ver com a disposição em que estou hoje:

     Este  homem,  não  muito  mais  velho  que  eu,  que cumprimento educadamente no elevador, sabe ele que é um menino que lhe fala um pouco intimidado, um pouco envergonhado por ter de falar com um adulto como se ele próprio fosse um, e surpreso, sim, quase lisonjeado, apesar de seus 50 anos, de que o outro pareça acreditar nisso? De minha parte sem dúvida não sei nada sobre o menino que meu vizinho foi um dia... para si mesmo, desconhecido de todos, e, como absurdamente enterrado sob o disfarce de um quase sexagenário... Não há adultos. Há apenas crianças que fingem ter crescido ou que cresceram de fato, mas sem conseguir acreditar nisso, sem conseguir eliminar a criança foram, que continuam sendo, que eles trazem consigo ou que os trazem com ela...

      Para  além  das  responsabilidades  que  o  crescimento nos trás, essa criança de que trata o pensador francês estará para sempre viva em mim e há de manter vivo e indestrutível o vínculo entre nós dois, pois sei que você também a levará pela vida afora.

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