domingo, 9 de agosto de 2015

Respeita os oito baixo do teu pai

     Muitas  vezes,  quando  conversamos  pela  internet ou, o que é mais frequente, quando trocamos mensagens escritas, você gosta de me mostrar suas habilidades com o computador. Lá vêm sempre desenhos feitos por meio eletrônico, modificação de fotografias, jogos e toda uma série de aplicativos para se fazer de tudo um pouco. Hoje há máquinas e programas para quase tudo. Há um tal Minecraft de que você é fã e que não me atrai muito. De todo modo, vejo com interesse o que tem produzido com esses programas e websites e até já participei de jogos eletrônicos com você. Quando o encontro, sempre fico admirado com sua habilidade com o chamado smartphone que lhe dei há uns dois anos.
     Embora  tenha  grande  interesse  pelo desenvolvimento da computação e da internet, pertenço a outra geração, em que tudo era analógico. Possuo uma biblioteca com muitos livros, tenho ainda muitos discos, álbuns de fotografias impressas e prefiro me relacionar com as pessoas cara a cara. De todo modo, sei fazer relativamente bem umas poucas coisas no computador. Reconheço que o mundo mudou, mudei eu mesmo e me ajustei naturalmente àquilo que considero relevante nessa orgia de aparelhos e aplicativos com que convivemos hoje. E gosto de ver seu entusiasmo com os meios eletrônicos, chegando a incentivá-lo. Até que um dia, quando for mais maduro, possamos criticá-los juntos.
     Ao  encontrá-lo  após  alguns  meses  distante, entre outros presentes menos tecnológicos, trouxe-lhe um drone. Foi muito divertido irmos para o campus da USP e fazê-lo voar, tirar fotografias, chamar a atenção de pessoas que estavam por ali, especialmente meninos. E durante toda a semana, ao ver seu afã de me mostrar suas capacidades com os meios eletrônicos moderníssimos que fazem parte de seu dia a dia, lembrei-me de uma canção genial de Luiz Gonzaga em que ele conta que, após seu sucesso musical no Sudeste, retornou ao sertão nordestino com uma sanfona ultramoderna, de "fole prateado/ só de baixo, cento e vinte", pensando que impressionaria Januário, seu pai, e dele caçoaria. Então, um amigo da família dá-lhe um conselho:

           Luiz, respeita Januário
           Luiz, respeita Januário
           Luiz, tu pode ser famoso, 
           Mas teu pai é mais tinhoso
           E com ele ninguém vai, Luiz
           Respeita os oito baixo do teu pai!
           Respeita os oito baixo do teu pai!

     A  sanfona  de  Luiz  possui  120  baixos,  mas ele utiliza apenas dois para tocar, ao passo que Januário utiliza todos os oito baixos de seu velho e simples fole. Sinto que o choque de gerações, em nosso caso, é semelhante.

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