domingo, 2 de agosto de 2015

Condenados à liberdade

     Num  ensaio  sobre  que  atitude  assumir  diante da vida para se obter um mínimo de paz e satisfação, Plutarco conta que Alexandre, o Grande uma vez começou a chorar ao ouvir o filósofo Anaxarco discursar sobre a existência de um número infinito de mundos. Quando os amigos do imperador lhe perguntaram a razão de suas lágrimas, ele, que controlava um vastíssimo império, respondeu: "Vocês não acham há razão de sobra para chorar, se há um número infinito de mundos, e eu ainda não conquistei nem este em que estamos?"
     Assim  somos  nós  em  nossa  permanente  insatisfação com o que temos e o que já conquistamos. Se no tempo de Alexandre os homens ainda cultivavam certa grandeza de atitude e realizações, hoje, no império do consumo e do entretenimento, a insatisfação de quase todos é ainda maior que a do imperador macedônio. Como se não bastasse, ainda perdemos toda a magnitude de projetos dos homens livres da Antiguidade. Há, por toda parte, um enorme rebaixamento do nível intelectual e moral das pessoas, bem como de suas relações. Como a sucessão de mercadorias, a acumulação financeira ou a banalidade do entretenimento não são capazes de preencher um espírito vazio, convivemos hoje com essa legião de ansiosos, neuróticos de toda sorte, depressivos e viciados em drogas.
     Por  tudo  isso,  sempre  defendo  que  se  tenha  ao menos uma grande paixão. Pode ser por uma arte, um esporte, uma ciência, uma mulher ou até mesmo pelo cuspe à distância. Tal paixão, que deve ser sempre analisada criticamente e vivida dentro dos limites do razoável, irá expandir seu mundo e dar um sentido a sua vida, proporcionando-lhe densidade vital e experiências profundas. 
     Vivemos  em  sociedade  e  me  parece que somos muito mais determinados pela realidade em que estamos inseridos que livres para fazer escolhas autênticas. Participamos todos do império do consumo e do entretenimento, mesmo aqueles que se esforçam por recusá-lo. Porém, no mínimo podemos tentar conquistar o nosso mundo dentro da infinidade de mundos de Anaxarco. Ou inventá-lo. Isso não é nada fácil, mas é a tarefa de cada um de nós desde que nos emancipamos das tiranias e nos tornamos indivíduos, titulares de direitos e também cumpridores de uma vasta carga de deveres. Por falar em filósofos, outro deles, Jean-Paul Sartre, mais próximo de nós, expressou muito bem nossa condição ao escrever que "estamos condenados à liberdade".

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