quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Barrigas de ópera bufa

     Em  suas  crônicas,  para  dar  uma  ideia  de  uma barriga grande e protuberante, Nelson Rodrigues costumava chamá-la de "barriga de ópera bufa", numa alusão ao gênero de música lírica que zomba de burgueses quase sempre barrigudos em sua prosperidade pecuniária. Lembrei-me dessa expressão ontem à noite, quando cheguei com antecedência de mais de uma hora ao terminal rodoviário do Tietê, em São Paulo, antes de viajar para Minas. Sentado na área de espera, fiquei observando as pessoas que por ali passavam, os tipos mais diversos, gente de todo canto do país. Em meio a essa diversidade exuberante, uma característica me chamou muito a atenção: a grande quantidade de gente acima do peso considerado recomendável e saudável. A todo momento passavam autênticas barrigas de ópera bufa de um lado para o outro.
     Quando  eu  era  criança,  o  Brasil  era  uma  paisagem de magros. Os poucos gordos que se viam eram elegantes gordinhos de fundo genético, raramente obesos. Havia uma crise econômica que atravessou a segunda metade dos anos 1970 até meados dos 90, com menos variedades de alimentos e certa escassez. Muito especialmente, não havia toda essa rede de lojas de comidas rápidas nem o uso intensivo de gordura trans, além de o estilo de vida em geral ser diferente.
     Nos  últimos  15 anos,   porém,  houve  um crescimento econômico no país,  e muita gente que antes tinha de cavar a sobrevivência no improviso entrou no mundo do consumo, o que teve seu lado bom e democratizador. Porém muitos passaram a trabalhar fora de casa, tendo de comer no local de trabalho ou em suas proximidades, com pressa e sem maiores preocupações com a qualidade do alimento. E disseminou-se a ideia de que trabalhar muito, em si, é uma virtude. Daí o desgaste, o sedentarismo, a falta de atividades intelectuais e de lazer, a impossibilidade de se desenvolver uma atidade física ou esportiva regular. Como resultado, aí estão as barrigas de ópera bufa que hoje se destacam em nossa paisagem.
     De  maneira  alguma  me  identifico  com  o  fascismo da aparência que dita  que as mulheres devem ser esbeltas, e os homens, atléticos. Nem com a ideia de que a beleza pode ser enquadrada num biotipo específico ou em determinadas características de rosto ou corpo. Mas temos de repensar e criticar um sistema de valores e exigências de trabalho que não permitem que as pessoas possam cuidar melhor de sua saúde e ter uma vida com melhor qualidade.

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