sexta-feira, 19 de junho de 2015

Um lugar onde o silêncio se impõe


     Estou  passando  esta  semana  na  Polônia.  Cheguei  na segunda-feira a Cracóvia, que é uma cidade muito bonita e com ótima infraestrutura, cheia de parques bem cuidados e com uma conjugação muito bem feita entre o antigo e o moderno. Apesar de a língua polonesa, com suas várias consoantes em sequência, me parecer extremamente difícil, tenho me identificado muito com o país, que me parece um dos mais interessantes da Europa.
     Hoje,  no  entanto, fui fazer uma visita nada agradável. Levantei-me cedinho e viajei para Auschwitz e Birkenau, a uns 70 km de Cracóvia, onde, entre 1940 e 1945, os nazistas construíram sua linha de produção da morte. Obviamente foi uma visita que contrastou muito com as outras que tenho feito pelo país. Minha postura naqueles lugares foi de completo silêncio durante as três horas que ali permaneci conhecendo os campos de trabalho escravo, as câmaras de gás onde mais de um milhão de pessoas foram assassinadas, os paredões de fuzilamento, as cercas eletrificadas duplas, os galpões onde os prisioneiros viviam nas piores condições que se pode imaginar, os lugares onde moravam e trabalhavam os carrascos alemães.  Ao final, retornei para Cracóvia mais desencantado com a nossa espécie, que tão facilmente é capaz de descambar para a monstruosidade. Por outro lado, é preciso não se esquecer de que ela também é capaz de regenerar-se e recriar-se. Definitivamente o que aconteceu em Auschwitz e Birkenau não pode ser esquecido. Aqueles museus do holocausto foram dois dos lugares mais impressionantes onde já estive, que me fizeram sentir algo ruim, mas reforçaram meus valores humanísticos. Saí dali ainda mais convencido dessa coisa básica que é a necessidade de respeito à diferença e à dignidade de cada ser humano, bem como do perigo das ideologias redentoras ainda na época atual, em que as tiranias e toda sorte de infâmias não se tornaram coisas do passado. Tenha sempre cuidado com o excesso de convicção, pense sempre por você mesmo e seja seu próprio líder.
     Muitas  crianças,  ao  chegarem  a  Birkenau,  eram diretamente enviadas para as câmaras de extermínio, pois não serviam para o trabalho estafante imposto por aqueles servos do totalitarismo. Entre as comoventes vitrines expondo os pertences dos martirizados, esta, com roupas e sapatinhos de crianças assassinadas ali, tocou muito especialmente a mim, que tenho um filho de dez anos, alguém como aqueles meninos e meninas de destino tão infeliz que nem sequer tinham ideia do que estava acontecendo quando eram conduzidos às câmaras de gás, para onde iam talvez brincando.
     Ao  fim  da  guerra,  olhando  as  montanhas  de cadáveres nos campos de morte, alguém disse: "Diante disso, Deus não pode existir". Concordo e pergunto em que recanto do universo estaria Deus diante da asfixia daqueles meninos nas câmaras de gás. Ou Deus não passará do silêncio cercado de indiferença por todos os lados?
     Em  meio  à  memória  das  barbaridades  cometidas naqueles dois campos de concentração, também me chamou a atenção a vida explodindo por todos os lados. Flores campestres e não cultivadas brotam entre as gramíneas que entremeiam os barracões onde os prisioneiros dormiam, pássaros estão por todo lado. Até uma raposa passeava por entre as ruínas das câmaras de gás. Essa exuberância de vida é a homenagem que a própria natureza presta aos que ali pereceram tão ignominiosamente.
   

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