sexta-feira, 17 de abril de 2015

Um elogio da lentidão

     Sob  encomenda  da  Editora  da USP, estou traduzindo para o português um livro composto por uma série de artigos de William Morris sobre a arte de fazer livros. Está me dando muito trabalho, pois os textos foram escritos há mais de 100 anos, possuindo uma sintaxe e um vocabulário um tanto diferentes das formas comuns no inglês contemporâneo. De todo modo, é um trabalho fascinante.
     Grande  parte  dos  artigos  de  Morris  tratam  dos  livros manuscritos da Idade Média, que eram grandes obras de arte. A propósito, fui hoje a uma exposição sobre a história do livro na British Library, onde vi de perto vários daqueles exemplares únicos feitos inteiramente a mão por grandes artistas anônimos. A mim chama a atenção - além da beleza das gravuras, dos ornamentos, da tipologia e da organização geométrica de tudo na página - o cuidado com que o livro era produzido. Até mesmo o papel que utilizavam, passados muitas vezes mais de 500 anos até os dias de hoje, em geral está em perfeito estado.
     Com  o  advento  da  impressão  e  o  desenvolvimento de toda uma tecnologia de produção de publicações em massa, ganhamos no acesso ao conhecimento sistematizado por parte de muito mais pessoas, mas perdemos em beleza e qualidade. Os livros medievais são produto de uma época muito diferente, com valores muito distintos daqueles da modernidade. Para mim, o grande contraste ocorre entre lentidão perfeccionista daquele tempo e a pressa que foi tomando conta de nossa cultura e nossa civilização, com consequências óbvias na qualidade de tudo, ainda mais num tempo como o nosso, de submissão total e irrefletida à internet.
     Os  livros  medievais  me  fazem  pensar  agora  num elogio da lentidão. Desejo que você tenha a sabedoria de fazer as coisas com cuidado, tendo paciência para vivenciar bem o tempo que seus processos interiores requerem. Melhor que fazer muitas coisas, numa espécie de capitalismo das realizações, será melhor não fazer muito em qualquer campo em que venha a atuar, mas que aquilo que fizer seja significativo e contenha o zelo de seu trabalho, a expressão de sua sensibilidade, seu amadurecimento como pessoa e seu valor humano.

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