segunda-feira, 13 de abril de 2015

O sacrifício de Isaac

     Não  tenho  fé  e  me  parece  muito  evidente  que Deus não existe, mas de vez em quando gosto de ler a Bíblia, por ser um livro fundamental para nossa civilização e por ser um repositório de grandes histórias e uma esplêndida realização literária. Neste fim de semana, por exemplo, estive às voltas com a leitura de um episódio que sempre me causou perplexidade e revolta. Está no Gênesis e trata de um momento em que Deus, provavelmente numa eterna falta do que fazer, resolve, de maneira infantil, testar a fé de Abraão. Para isso, ordena-lhe que sacrifique seu filho Isaac. A mesma infantilidade reaparece em outros momento, como na história de Jó.
     Não  sei  o  que  é  mais  abominável,  se  a  ordem dada por Deus ou se a aceitação de Abraão em cumpri-la. Eis o comando do Todo-Poderoso: "Tome seu filho, seu único filho, Isaac, a quem você ama, e vá para a região de Moriá. Sacrifique-o ali como holocausto num dos montes que lhe indicarei". Após receber a indicação do lugar onde deveria assassinar o filho, Abraão organiza seus servos e parte acompanhado por uma comitiva, levando Isaac. Este inocentemente carrega sobre os ombros a lenha para o holocausto e, caminhando ao lado do pai, pergunta-lhe onde está o cordeiro a ser sacrificado em holocausto, recebendo como resposta uma mentira: "Deus mesmo há de prover o cordeiro para o holocausto, meu filho". Ao chegarem ao local do crime, Abraão prepara um altar, arruma a lenha e amarra Isaac, colocando-o no altar, sobre a lenha. No último segundo, quando esse pai indigno está prestes a matar o filho para satisfazer uma vaidade divina, um anjo do Senhor aparece e o impede de cometer a barbaridade, indicando-lhe um cordeiro preso pelos chifres num arbusto, sendo o animal finalmente sacrificado. Então o anjo, porta-voz divino, diz: "Juro por mim mesmo", declara o Senhor, "que por ter feito o que fez, não me negando seu filho, o seu único filho, esteja certo de que o abençoarei e farei seus descendentes tão numerosos como as estrelas do céu e como a areia das praias do mar. Sua descendência conquistará as cidades dos que lhe foram inimigos e por meio dela todos os povos da Terra serão abençoados, porque você obedeceu".
     Se  as  histórias,  as  metáforas  e  a  linguagem  bíblica são fascinantes - inclusive por terem esse poder de me irritar -, isso não quer dizer que eu concorde com a filosofia que ali é exposta. Em primeiro lugar, considerando historicamente o calvário de tantos povos da Terra, tudo indica que nenhum deles foi abençoado. Já num plano mais individual e ético, se o Deus judaico ou qualquer outro me ordenasse algo semelhante, eu de imediato perderia as estribeiras e até o bom-tom, mandando-o ir para aquele lugar, não me importando se um raio, o Diabo ou qualquer outra maldição me fulminasse instantaneamente. Meu filho está muito acima de um deus assim caprichoso, imaturo e arrogante, que joga com um falso mistério. Eu não o obedeceria jamais.

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