segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Túnis e o meu bei de Túnis









 
     Aí  está  a  medina  de  Túnis.  Tenho andado pela cidade e algumas vilas a seu redor. A Tunísia é um país pobre, com uma infraestrutura precária, mas possui um povo forte e altivo. Algumas coisas têm me chamado atenção aqui. Aparentemente todos os homens fumam, o que é muito desagradável, pois acendem seus cigarros inclusive em lugares fechados, como bares e restaurantes. E não há como não notar um vasto e rigorosíssimo esquema de segurança na avenida principal, onde estou hospedado e nas imediações dos prédios públicos espalhados pela cidade. Há barricadas e grandes barreiras de arame farpado por todo lado, com militares e policiais portando armas pesadas. Em 2011 houve aqui sérios confrontos, com pessoas tendo sido mortas pelas forças repressivas. Percebe-se claramente que há grandes tensões na sociedade tunisiana.
     Nestes  dias  de  fevereiro,  está  fazendo um friozinho que eu não esperava nestas margens do Mediterrâneo. Por isso não trouxe roupas muito adequadas para os 10 a 13 graus que tenho enfrentando por aqui e acabei tendo de comprar uma blusa.
     Antes  de  conhecer  a  cidade,  ela  existia  para mim especialmente através das crônicas que Eça de Queirós, que eu costumava ler aos vinte e poucos anos para tentar aprender truques de estilo com o grande escritor português. Ele tinha uma estratégia brilhante quando lhe faltava assunto para os textos que precisava escrever diariamente: atacava o bei de Túnis, título do governador otomano da Tunísia no século XVI. Há um texto em que Eça conta quando isso começou: "Sabe você o que eu fiz numa destas agonias, sentindo o moço da tipografia a tossir na escada, e não podendo arrancar uma só ideia útil do crânio, do peito, ou do ventre? Agarrei ferozmente da pena e dei, meio louco, uma tunda desesperada no bei de Túnis... No bei de Túnis? Sim, meu caro, nesse venerável chefe de Estado, que eu nunca vira, que numa me fizera mal algum, e creio mesmo que a esse tempo tinha morrido. Não me importei. Em Túnis há sempre um bei; arrasei-o."
     Tenho  um  amigo  em  São  Paulo,  Doc,  que  é o meu bei de Túnis. Numa ocasião em que eu também tinha de escrever crônicas regularmente, ao me faltar assunto costumava contar episódios acontecidos com Doc, vários deles hilariantes. E quando já tinha contado todas as suas histórias, inventava outras em que ele era o protagonista. Ou recontava suas melhores aventuras pelas ruas de São Paulo. Os que me liam adoravam-no. Ainda hoje costumo recorrer às peripécias de Doc para meus amigos em Londres, quando eventualmente alguma conversa descamba para a falta de assunto ou para chatíssimos pseudointelectualismos. Invariavelmente elas são um sucesso e reacendem a conversação. No fim do ano passado, quando encontrei Doc em São Paulo, disse-lhe que as pessoas em Londres acham que ele não existe, que é um personagem que eu inventei. Com isso, ele prometeu viajar à Inglaterra neste ano, em suas férias, para provar que existe de fato.
     Curiosamente,  esta  é  a  primeira vez que menciono o meu bei de Túnis por aqui.

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