terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Nossa decadência


     Partirei  nesta  noite  para  São  Paulo,  após  passar cerca de 20 dias em Divinópolis. Esta não foi uma estadia muito agradável. Algumas vezes andei pela região central e, nos fins de tarde, saí sempre para correr ao longo do rio Itapecerica. Por todo lado se notam evidências de uma cidade em profunda crise, muito mal administrada, com um povo apático e despolitizado. O rio está malcheiroso e cheio de porcarias; as calçadas andam esburacadas, boa parte com mato a crescer; as ruas estão mal sinalizadas e sujas. A casa de minha mãe fica numa rua muito movimentada e muito barulhenta. Não bastasse o ruído excessivo do trânsito, toda a vizinhança é frequentemente importunada por imbecis que passam dirigindo carros equipados com potentes sistemas de som tocando o lixo da música baiana em altíssimos decibéis. Isso a qualquer hora do dia ou da noite. Um número considerável de mendigos e moradores de rua é visível nas avenidas e praças do centro. Definitivamente parece não haver aqui uma causa comum.
     Andei  ouvindo  histórias  de  violência  e  brutalidade infinitas, geralmente associadas ao tráfico de drogas, pois a cidade se tornou um entreposto do negócio, passando a abrigar toda uma escória de criminosos perigosos, em torno dos quais gravitam muitos pequenos traficantes e uma crescente quantidade de viciados que rapidamente se transformam em mortos-vivos no último estágio da degradação. A polícia, por sua vez, parece ter aceitado a derrota ou estar compactuada com os bandidos, pois não os combate verdadeiramente. Nem sequer vi um número significativo de policiais pelas ruas.
     Tudo isso faz parte do atual fenômeno da degradação do espaço público, dos homens públicos, das atividades públicas e das instituições do Estado. Em seu livro Modernidade Líquida, o sociólogo Zygmunt Bauman enumera algumas características do que vem acontecendo em muitos lugares do mundo: "A comunidade definida por suas fronteiras vigiadas de perto e não mais por seu conteúdo; a 'defesa da comunidade' traduzida como o emprego de guardiões armados para controlar a entrada; assaltante e vagabundo promovidos à posição de inimigo número um; compartimentação das áreas públicas em enclaves 'defensáveis' com acesso seletivo; separação no lugar de vida em comum - essas são as principais dimensões da evolução corrente da vida urbana".
     Vivi em Divinópolis, em minha infância e em minha adolescência, um tempo muito diferente, em que havia vida comunitária, segurança, paz e repeito pelas pessoas, embora a mentalidade dominante fosse conservadora e o poder fosse uma prerrogativa de potentados de famílias tradicionais, como é comum por todo o interior do país. Antes de nossa comunidade perder a inocência, não era difícil viver aqui, pois, a despeito do atraso, havia um mínimo de qualidade de vida.
     Parto  para  São  Paulo,  onde  ficarei  por  quatro dias, e sei bem o que vou encontrar por lá: todos os problemas experimentados aqui elevados à máxima potência. 
     Muitas  vezes  tenho  falado  em  retornar ao Brasil. Todavia, essa realidade, que é semelhante por quase todo lado, vem me causando muita frustração. Será que, no limite, precisamos de uma espécie de Revolução Francesa para cortar as cabeças de certos Marinhos, Civitas e Frias, certos Sarneys, Malufs, Calheiros, Aécios e Dirceus, certos Setúbals e Aguiares, certos Mendes e Toffolis, certos Avancinis e Aldemários e toda a escória dessa laia?

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