quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Véspera de Natal na cidade natal

     Agora  pela  manhã,  justamente  após  passar algumas horas mergulhado na leitura de Os Demônios, de Dostoiévski, parei numa passagem em que membros de uma organização criminosa discutem sobre um triplo assassinato e um incêndio criminoso cometido na cidadezinha onde vivem, nas imediações de São Petersburgo. O que eu não imaginava é que, fechando o livro para descansar um pouco os olhos, presenciaria e faria parte de um episódio que parece tirado das páginas do grande escritor russo, que tanto tratou da loucura dos homens e do caos da vida em suas obras.
     Ao  ir  da  biblioteca  para  o  quarto,  ouvi,  vindo da rua, uma voz de mulher gritando por socorro. Quando cheguei à entrada da casa, diante da movimentada rua onde mora minha família, vi um homem sair correndo de uma loja de móveis que fica quase em frente e alguns motoqueiros partindo em sua perseguição. Foi uma tentativa de roubo ao estabelecimento. Um pouco abaixo, o sujeito foi agarrado pelos motoqueiros, agredido e imobilizado no chão, a cerca de 100m da casa de minha mãe, diante de uma floricultura. Em questão de minutos, houve uma aglomeração de pessoas em torno do criminoso, que estava estendido no chão, e o trânsito tornou-se lento, num irresistível voyeurismo de nossos motoristas diante da violência.
    Chamaram  a  polícia,  mas  os  homens  dessa imponderável instituição simplesmente não compareceram. Em vez disso, após cerca de 20 minutos, vieram dois carros do Corpo de Bombeiros. Nesse meio tempo, me aproximei da turba que cercava o ladrão. Tratava-se evidentemente de um coitado de cerca de 30 anos, vestido em andrajos e descalço, a própria imagem de todas as privações. Diante de guirlandas natalinas penduradas na entrada da floricultura, alguns de nossos melhores e mais angelicais cidadãos lhe dirigiam terríveis palavrões, proclamavam que se deveria matar um tipo como aquele e lhe desferiam pontapés. Acabei intervindo, batendo boca e trocando empurrões com um Charles Lynch de província que o estava chutando. Houve uma divisão entre os que eram pró e os que eram contra descarregar violência contra o sujeito ali deitado. Até que os bombeiros chegaram, socorreram brevemente aquele indesejável e colocaram-no em seu carro, levando-o para não se sabe onde, talvez para uma delegacia de polícia. 
     Assim é agora o Natal divinopolitano.

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