quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Um homem


     "Póngase sereno y apunte bien: va usted a matar a un hombre". Conforme o verdugo que matou Che Guevara, esta foi a última frase dita por ele no dia 9 de outubro de 1967, quando o grande herói latino-americano foi executado por fantoches bolivianos a serviço da Central de Inteligência dos Estados Unidos. Sim, naquele dia mataram realmente um homem de verdade, alguém que talvez não tivesse espaço e não fosse ouvido num tempo como o nosso, em que o pensamento único triunfou no jornalismo, no debate público e, em vasta medida, na própria universidade. Naquele dia mataram um homem que nunca aceitou a injustiça e a opressão dos ricos sobre os pobres nem a injustiça da ordem política e econômica mundial, envolvendo-se pessoalmente em guerras na América e na África, no então chamado Terceiro Mundo. Um homem que foi grande e digno até mesmo nos muitos erros que cometeu. Seu verdugo recorda ter ficado muito nervoso, tonto e hesitante diante de "um Che grande, muito grande, enorme".
     Acabo de ouvir um discurso que Che Guevara fez na Assembleia Geral das Nações Unidas em 1964. Com extraordinária eloquência, ele critica a potência imperialista do norte e seus lacaios que infestam o poder na América Latina, defendendo a liberdade dos povos e seu direito à autodeterminação. Algum tempo depois ele sairia pelo Congo e pela Bolívia - de forma um tanto quixotesca - tentando exportar a Revolução. Acabaria sendo capturado e assassinado miseravelmente em La Higuera, povoado às margens da selva boliviana. Quase de imediato o Che se tornou um dos maiores mitos do século XX e uma força inspiradora para os que lutam por liberdade e justiça. Mas ironicamente sua imagem foi canibalizada pelo mercado, que o transformou num ícone pop, presente numa infinidade de produtos de toda sorte, muitas vezes consumidos por gente que não tem ideia do que ele representa. 
     De minha parte, sempre quis ter feito algo grande na vida, que ainda está aí aberta, vasta e plena de possibilidades. A força inspiradora de Che Guevara será para sempre uma referência no mínimo para uma existência que recuse a futilidade e o vazio de nossa época. Que você possa crescer com uma clara consciência da injustiça e da violência que nos cercam e à qual todos nós estamos submetidos, ainda mais num país como o Brasil, que jamais as aceite nem seja conivente com elas. E que seja íntegro, apaixonado e generoso onde quer que venha a atuar. Essa é a verdadeira homenagem que podemos prestar a um homem como Che Guevara, que, em realidade, nunca morreu. Segue vivíssimo em cada um que deseja uma realidade melhor que esta que aí está.

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