segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Da crueldade contra as crianças

    Para mim, há alguns escritores essenciais. Um deles é o russo Dostoiévski, que toca sempre algo de muito profundo na condição humana, mesmo que para isso – ou por isso mesmo – tenha de lançar mão de explorar nosso lado mais cruel e mais sombrio. Me lembro de que, em outra ocasião, escrevi aqui sobre a relação dele com as crianças, reproduzindo uma passagem de seu diário em que o escritor trata da visão de mundo dos pequenos e sua forma ativa de se relacionar com a realidade. O próprio escritor era alguém que costumava, ao andar pelas ruas de São Petersburgo, parar para conversar com os meninos que encontrava pelo caminho.
     Relendo Os Irmãos Karamázov neste período de férias no Brasil e de reencontro com minha biblioteca, me reencontrei hoje com esta reflexão do personagem Ivan Karamázov, que, após contar algumas histórias chocantes, trata da crueldade daqueles que infligem tormentos às crianças:

...é precisamente o lado indefeso dessas criaturas que seduz os torturadores, e a credulidade angelical da criança, que não tem onde se meter nem a quem recorrer, é o que inflama o sangue abjeto do torturador. Em todo homem, é claro, esconde-se uma fera, a fera da cólera, a fera da excitabilidade lasciva com os gritos da vítima supliciada, a fera que desconhece freios, desacorrentada, a fera das doenças, da pobreza e dos fígados adoecidos na devassidão.

    Busquei sempre ter uma postura firme e estabelecer uma noção muito clara de seus limites. Cheguei inclusive a castigá-lo uma vez, em Belo Horizonte, quando desrespeitou uma interdição de não jogar uma série de pedrinhas que cobriam a terra de uma planta no piso do apartamento onde morávamos. Foram cinco minutos trancado em seu quarto. Você devia ter quatro anos na época. Chorou, mas nunca voltou a fazer aquilo. No entanto, jamais me passou pela cabeça a prática de qualquer ato cruel, humilhante ou desumano por causa de qualquer incidente entre nós. Acho até que tenho sido um pai generoso e protetor, apesar de também instigá-lo a correr pequenos riscos.
     Sempre fico muito indignado ao saber de crianças que sofrem violências por parte de adultos cruéis. Esta é uma de minhas preocupações em virtude da distância em que nos mantemos já por longo tempo. Que as garras da besta-fera que habita todo homem jamais o atinjam, pois isso me atingirá de forma muito intensa. Na minha impulsividade, nem sei do que eu mesmo seria capaz de fazer contra o ofensor.

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