segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Velhos da minha infância

     Minha infância em Divinópolis foi povoada por velhos, e eu era muito próximo de alguns deles. Me lembro de meu avô materno, que era um homem de forte personalidade, sempre fumando um cigarro de palha e próximo de um fogão a lenha que havia em sua casa. Originário de regiões rurais nas proximidades de São João del Rey, ele encarnava a riqueza da cultura caipira, com todo o seu acervo de histórias, músicas e trejeitos originais. Ainda no campo da cultura caipira, me recordo de Carrico, um velhinho de 1,50m de altura, sempre com seu chapéu na cabeça, fumando um cachimbo. Morava de frente a minha casa, numa ruazinha sem calçamento significativamente chamada de Passa Tempo. Com uma fala arrastada e voz fina, vivia contando, para os meninos da vizinhança, histórias de seus encontros com onças pintadas, lobisomens e sacis.
     Três casas para cima da nossa, vivia uma senhora chamada Maria Vilela. Devia ter perto de 80 anos e não se cuidava muito bem, pois tinha uma aparência de bruxa de contos de fadas, com vestidos remendados, cabelo em desalinho, dentes com falhas, uma grande verruga no nariz e voz rouca. Corria que era feiticeira, e todos temiam seus possíveis poderes sobrenaturais. Vivia com seu filho Zé Vilela, já um quarentão lá pelo começo da década de 1980, de quem me lembro gabando-se para as mulheres de que se parecia com o príncipe Charles!
    D. Deolinda era uma benzedeira a quem minha mãe costumava me mandar sempre que me surgia alguma erupção de pele por passar o dia jogado futebol na rua ou em campinhos de terra, ou em virtude de contatos com sapos e outros bichos não muito limpos. Aparentemente suas benzeduras funcionavam muito bem.
   Havia Nilo da Peroba, um misterioso andarilho, permanentemente cruzando a cidade de um lugar para outro, em silêncio. Era altíssimo, e ninguém nunca ouviu sua voz.
     E havia os velhos que ficavam furiosos quando alguém aludia a seus defeitos físicos ou psicológicos. Boneca era uma senhora que sempre passava pela rua Passa Tempo acompanhada por um séquito de uns trinta cachorros. Se alguém lhe gritava o apelido, ela jogava pedras na direção do atrevido, e seus cachorros disparavam a latir em coro. Mazzaropi, um velho que realmente se parecia com o personagem do cinema, também perdia as estribeiras ao ser chamado pelo apelido, prometendo, aos gritos, capar o ofensor. Venerando e Lúcia eram dois velhos irmãos mudos, que só emitiam sons inarticulados. Possuíam gatos, que eram tratados como filhos, e também ficavam fera se alguém aludia a sua mudez ou assustasse seus vários felinos.
     De minha parte, sempre me senti bem na companhia dos velhos e tenho admirado bastante alguns deles. Ainda vivi um tempo em que envelhecer não era um crime, em que os velhos não eram descartados em asilos ou quartinhos no fundo das casas, mas participavam plenamente da vida comunitária. Minhas duas avós mesmas, que morreram recentemente, ambas com quase cem anos, foram pessoas com vida ativa e voz na família.
     Crescendo num apartamento em São Paulo, frequentando uma escola de professores jovens, transitando o tempo todo por entre uma fauna juvenil, você tem tido pouco contato com pessoas mais velhas. No entanto, sempre que puder, aproxime-se dos velhos. Eles têm sempre um tesouro de lembranças, experiências e episódios imaginários que vale a pena compartilhar. Esse modo adolescente de estar no mundo que está hoje em voga não passa de uma moda que haverá de passar sem deixar muitos vestígios.

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