domingo, 9 de outubro de 2016

Svidrigáilovs


     Quando  ouço  certos  nomes,  eles  têm  o  poder  de evocar uma personalidade e um destino. Para alguns escritores, isso também acontecia. Shakespeare, em Othello, dá o nome de Iago a um invejoso manipulador sem limites. Machado de Assis, em Quincas Borba, chama de Palha um burguês rasteiro e aproveitador. Dostoiévski, em Crime e Castigo, dá o nome de Svidrigáilov a um canalha juramentado. A própria sonoridade da palavra já evoca seu mau-caratismo. E Nelson Rodrigues sempre chama os canalhas de suas obras pelo sobrenome, como Palhares, Peixoto, Werneck, Sabino. E a crônica de Brasília tem nos oferecido diariamente uma vasta galeria de canalhas que ocupam hoje o poder. Aí estão nomes como Cunha, Temer, Aécio, Cardoso, Jucá, Bolsonaro, Mendes, Moro, Dallagnol, Calheiros, Caiado... Eles são legião, figuras dignas de beijar a cunhada num corredor da casa do sogro, nomes dignos de um escroque exemplar de Shakespeare, Machado de Assis, Dostoiévski ou Nelson Rodrigues.
     No  fim  de  semana  passado,  ocorreram  eleições municipais no Brasil. Seguindo uma tendência mundial, os resultados foram desastrosos. O momento de crise econômica tem facilitado a ascensão de políticos populistas, que vêm chegando ao poder ou nele permanecendo com plataformas que contemplam o desmanche do Estado, a destruição dos direitos da cidadania, a degradação dos sistemas de educação e saúde. Isso quando não se elegem alardeando propostas excludentes, xenófobas, machistas, racistas, homofóbicas e misóginas. O espetáculo midiático da execração seletiva de políticos corruptos, como temos assistido ultimamente no Brasil, tem contribuído para a despolitização e o analfabetismo político de muita gente. Para coroar um ano em que o fundamentalismo ultraliberal está vencendo por todo lado, só nos falta ver o energúmeno Donald Trump ser eleito presidente dos Estados Unidos no mês que vem. 
     Foi  um  contexto  parecido  com  este  que  gerou  os totalitarismos de direita e de esquerda nos anos 30 do século passado. É apavorante saber que um Hitler chegou ao poder legitimamente, vencendo uma eleição. E que o nazismo teve amplo apoio dos cidadãos comuns da Alemanha. Também é apavorante ver hoje a esquerda demonstrando tanta incompetência e comportando-se exatamente como aqueles que ela historicamente criticou, estando ela também superpovoada por salafrários.
     Mas  os  canalhas,  que  sempre  existiram  e  sempre rapinaram o poder, talvez estejam aí para, como santos às avessas, nos lançarem o desafio cotidiano de sermos bons num mundo mau. Agora que você entrará na adolescência e começará a se preocupar com essas coisas, desejo que não se aliene das questões importantes de nossa sociedade e participe dela, agindo com dignidade e respeito por si mesmo e pelos outros. Jamais pense que, porque as coisas estão assim, permanecerão para sempre assim. Nosso processo histórico, com a participação das gerações anteriores e de nós mesmos, criou este estado de coisas. Tudo está em constante movimento e pode ser diferente.

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