quarta-feira, 11 de julho de 2012

Seu caderno

     Deixei em minha casa em São Paulo um caderno de capa dura que foi uma espécie de diário de nossa convivência nos últimos meses em que pudemos nos encontrar. Nele registrei suas frases mais marcantes, seus gostos e suas extravagâncias, suas descobertas, nossos passeios e afazeres, seu perfil e sua visão de mundo de criança. Há coisas engraçadas e coisas muito pitorescas. Mas infelizmente, antes mesmo da metade desse caderno ser preenchida, muitas folhas ficaram em branco. Esta parte representa, como diz um de nossos grandes poetas, "a vida inteira que podia ter sido e que não foi". Fomos separados, enfrentei os piores momentos de minha vida, busquei me afastar diante do risco vir a cometer alguma atrocidade, segui adiante, vim para bem longe.
     Hoje tenho consciência de haver emergido de uma espécie de inferno. Tive de enfrentar o desemprego e a falta de perspectivas, uma depressão, dificuldades econômicas, um não saber para onde me virar. Mas o pior de tudo foi ter de fazer face a muita sujeira, foi ter de negociar com a canalhice. Passou.
     Espero que ainda não seja tarde demais para que eu possa lhe ensinar a medir o valor das pessoas apenas por suas qualidades humanas, a não tomar jamais o dinheiro como medida de todas as coisas nem a injustiça como coisa normal, a jamais baratear os seus sonhos em nome de uma domesticidade ordinária. Se eu puder influenciá-lo nessa direção, considero que meu papel de pai terá sido bem cumprido.

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